7 de maio de 2013

Oitavo Capítulo – Caminhos Cruzados



Suspirando, imaginou cadeiras formando fileiras alinhadas perfeitamente lado a lado. Violinos, flautas, trompetes, violoncelos, saxofones, um piano... Sem dúvida este seria o cenário onde Mel sempre desejou trabalhar, passar grande parte dos seus dias, enquanto vários sons diferentes formavam uma harmonia perfeitamente controlada e delicada ao seu redor.
Mas, definitivamente, não no lugar onde se encontrava no momento. Nunca se imaginou usando um uniforme padronizado, carregando um bloquinho de notas acompanhado de um sorriso amarelo no rosto, e falando sempre a mesma frase repetidas vezes: “Posso anotar o seu pedido?”. Tamborilando ritmicamente os dedos sobre o balcão de mármore, recordou como tudo acontecera.
No dia seguinte após sair para comprar o que precisava e esbarrar de maneira acidental – mas, sem dúvida nada simpática em um desconhecido nada gentil –, passou algumas horas com os olhos vidrados nas páginas dos classificados do jornal que havia comprado mais cedo. Não havia muita coisa a qual poderia lhe interessar profundamente, mas, às vezes para recomeçar também temos que abrir mão de algumas coisas das quais gostamos, era isso que dizia para si mesma enquanto fazia círculos incansáveis.
Depois do almoço, decidida, colocou o jornal em sua bolsa e pegou as chaves sobre a bancada da cozinha. Ao sair do apartamento respirou fundo. Seguindo o caminho para o elevador ouviu quando um bip avisou que ela havia recebido uma nova mensagem no seu celular, decidiu que a leria depois. Só conhecia uma pessoa que poderia importuná-la com uma mensagem de texto, e não estava em um dia muito bom para aturá-la. Não importava quantas vezes trocasse o número do telefone, esse alguém sempre encontrava um jeito de conseguir o novo. Irritante!
Caminhou até o elevador. A porta estava a centímetros de ser fechada, porém, rapidamente conseguiu interromper o processo. Estava prestes a adentrar no pequeno ambiente claustrofóbico quando a porta abriu, no entanto, deteve-se ao se deparar com alguém que a olhava com uma expressão indecifrável. O reconheceu quase que imediatamente: pele morena, olhos azuis, cabelos levemente ondulados... Era o desconhecido ao qual havia esbarrado há algumas horas, e a quem, sem querer, presenteara com um belo banho de café quente.
 Ele não parecia muito feliz em revê-la, nem poderia. Mas ele não tinha o direito reclamar muito, ele também não fora nenhum cavalheiro de armadura brilhante em não ajudá-la com suas compras que o mesmo havia derrubado no chão. Aquilo a deixara muito irritada por alguns minutos.
Após um ríspido: “Tem espaço suficiente para nós dois”, Mel entrou e permaneceu em silêncio enquanto novas pessoas entravam e saiam tranquilamente, quer dizer, havia uma garota que não parecia tão tranquila assim. Principalmente quando o elevador parou inesperadamente. Por um momento Mel pensou em perguntar se ela estava se sentindo bem. Era exatamente isso que pretendia fazer quando seu celular tocou, agora era uma chamada e não uma mensagem. O atendeu, mas a voz feminina em tom nada agradável lhe era desconhecida. E no momento em que a garota perguntou por um tal de Rodrigo Mel sentiu que havia algo errado, afastou rapidamente o celular do seu ouvido, seu aparelho tinha um pequeno adesivo da letra “M” que sua irmã Isabella havia colocado, e ele não estava mais presente. Mordeu levemente o lábio e olhou para quem poderia ser o tal do Rodrigo. Após relatar rapidamente a troca dos celulares, o devolveu recebendo um olhar de dúvida e confusão da parte dele. Por apenas um instante ela achou que ele poderia ser categoricamente desagradável ao receber o telefone de volta, mas em vez disso, ele sorriu murmurando algo em seguida.
 Talvez ele seja louco, pensou ela em meio a um suspiro entediado.  Lembrou que deveria tê-lo avisado sobre a mensagem de texto, mas achou melhor não, ele que descobrisse por si só.
Finalmente, depois que o elevador voltou a funcionar, pôde seguir com seu plano inicial: conseguir um emprego.
No começo não fora nada fácil, na verdade não foi fácil em parte alguma. Sua falta de experiência não a ajudou, definitivamente. O que se poderia esperar de alguém que nunca teve que trabalhar antes? Só inexperiência, é claro! Mas ninguém parecia entender este pequeno detalhe. E foi assim durante os três próximos dias. Já havia praticamente desistido quando entrou em um café em estilo charmoso e aconchegante, o mesmo onde comprara o café de alguns dias atrás e que fora privada de saborear.
Entrou, caminhou até o balcão e parou.
− Um café expresso, por favor! – fez o pedido à garçonete que estava folheando uma revista de moda tranquilamente. Ela parecia ser a única garçonete do lugar, pelo menos foi o que Mel constatou ao dar uma boa olhada em volta. No entanto, a garota não a ouviu, ou fingiu não ouvir. – Er... olá, será que você pode me atender? – Mel perguntou educadamente, agitando um pouco a mão na frente do rosto da garçonete distraída.
− Você acha que eu fico bem de púrpura? – a garçonete perguntou, para a surpresa e confusão de Mel. – Tipo essa blusa aqui, o que acha? – indicou a página da revista e esperou.
Após um minuto de silêncio incômodo, a garota levantou a cabeça até seus olhos ficarem no mesmo ângulo dos de Mel, e esboçou um sorriso, falando em seguida:
− Acho que em você ficaria. – declarou fazendo as bochechas de Mel corarem levemente. A garota era decididamente linda, com seu cabelo loiro e liso preso perfeitamente em um rabo de cavalo, maquiagem delicada e suave destacando os seus pontos fortes: lábios finos, olhos verdes e sobrancelhas levemente arqueadas. Até o simples uniforme azul escuro com a logomarca do café parecia elegante. Fechou a revista e incorporou um ar profissional nada convincente. – Um café expresso, certo?
Melody apenas meneou um pouco a cabeça, afirmando.
A garota saiu em seguida. Voltou menos de um minuto depois com o pedido de Mel, sentando na sua frente e fitando-a fixamente.
− Você não é daqui, é? – indagou como se estivesse fazendo questionamentos a cerca do tempo. Apenas nesses poucos minutos Mel percebeu que a garota era mais espontânea do que o necessário, ou isso, ou esses poucos dias longe da família a fizera se desacostumar com a civilização que se encontrava no exterior do seu novo apartamento.
No começo Mel ponderou se responderia ou não, mas tinha algo na garota que a fazia se sentir a vontade. Talvez fosse essa espontaneidade desconhecida.
− Acabei de me mudar. – confessou, após tomar um pouco da bebida quente.
− Sério? Onde você morava antes? – perguntou ficando mais a vontade no balcão, apoiando os braços sobre o mesmo e parecendo realmente interessada na resposta que viria.
− Itália. – respondeu.
A garota a sua frente arregalou os olhos abrindo minimamente a boca em um “O”. Disparando um monte de perguntas em seguida.
− Como é a Itália? Você fala italiano? Acho a Itália superinteressante, bem, quer dizer pelo menos é isso que penso quando vejo fotos de lá. Eu acho o italiano uma língua muito romântica. Você não tem sotaque, por quê? – jogou a cabeça um pouco para o lado.
As perguntas deixaram Mel momentaneamente tonta. Agitando um pouco a cabeça, respondeu.
− Ah... é legal. Sim para a segunda pergunta e... er... ah sim, eu falo português desde que era criança, nasci no Brasil e me mudei para a Itália quando tinha oito anos, acho que é por isso que não tenho sotaque. – confessou se sentindo um pouco exposta. No entanto, essas eram as únicas coisas que iria falar, não estava com a intenção de abrir o livro da sua vida para uma desconhecida, mesmo ela sendo inteiramente e espontaneamente divertida.
Depois de mais um jorro de perguntas – dessa vez sobre a cidade, o clima e seus habitantes –, a garçonete ainda sem nome deixou Melody sozinha. Aproveitando seus últimos momentos de silêncio – pois ela tinha absoluta certeza de que a garota voltaria, aparentemente Mel era a sua distração oficial do dia –, abriu o jornal que havia retirado de dentro da sua bolsa e o fitou demoradamente, suspirando de modo derrotista.
− Pelo menos eu tentei. – murmurou.
− Você está procurando um emprego? – Mel levantou a cabeça em descrença, é claro que ela voltaria... Mas, Mel nunca pensou que fosse tão rápido, e para o seu espanto, os olhos da garota brilhavam... intensamente. – Você pode trabalhar aqui! – sugeriu. – Vai ser tão legal. – falou quase cantarolando.
− Estão contratando? – Mel indagou mordendo um pouco o lábio.
− É claro! Espera aqui, já volto.
− O quê...
Mas já era tarde demais. A garota simplesmente desaparecera do seu campo de visão. Mel olhou em volta, mas só viu as mesmas pessoas que estiveram ali desde que chegara. Após uma analisada na porta de vidro, percebeu que lá havia um pequeno cartaz escrito: “Precisa-se de garçonete” por apenas um segundo Mel sorriu, tudo bem que trabalhar em um café não estava em seus planos, mas, por que não? No entanto, no momento seguinte seus olhos pousaram na palavra que vinha sendo uma inimiga implacável nos últimos dias: experiência.
Com um longo suspiro, Mel pegou sua carteira e deixou o dinheiro para pagar o café que havia consumido. Estava prestes a ir embora quando a garçonete apareceu com um sorriso que ia de orelha a orelha.
− Está contratada! – declarou, deixando Mel temporariamente sem reação. Alguns segundos se seguiram e ela apenas ficou paralisada, desacreditada. – Então... vai querer o emprego ou não?
Mel piscou os olhos rapidamente, e então se lembrou do cartaz.
− Eu não tenho experiência. – afirmou apontando para o cartaz que estava na porta. Mel estava tão distraído que não o percebera quando entrou, mas agora não fazia tanta diferença.
− Isso é bem óbvio! – exclamou sem tirar o sorriso do rosto, e a olhando dos pés à cabeça. – Mas não precisa se preocupar meu pai é o dono do estabelecimento e me deixou contratar quem eu quiser. – declarou. – Aliás, meu nome é Bianca, mas pode me chamar de Bia é assim que todos me chamam. – estendeu a mão na direção de Melody, que sorriu.
− Melody, mas pode me chamar de Mel. – retribuiu educadamente a mão para Bia, que abruptamente a puxou para um abraço.
− Nossa vai ser tão bom ter alguém como você aqui. Esse lugar é um tremendo tédio, você pode me contar como é morar na Itália e como são os italianos...
E foi assim que acabou aceitando o emprego de garçonete. Não pelo dinheiro – que definitivamente nem precisava –, mas, sem dúvida, pela companhia de Bianca. O único problema em aceitar o emprego, era se seu pai descobrisse, aí sim seria algo para se preocupar. Juliano certamente também não iria ficar nada satisfeito quando ficasse sabendo. Mas, decididamente, eles não precisavam ficar sabendo... e não iriam.
− Tive uma ideia. – Bia falou cruzando o balcão e sentando-se ao lado de Mel. – Que tal uma noite de garotas, sabe para comemorar sua chegada à cidade?
Mel fez uma careta.
− Eu cheguei há quase uma semana, esqueceu?
Bia sorriu. Um sorriso que mesmo conhecendo há pouco tempo dizia que não era uma boa ideia continuar com a conversa.
− Há quase uma semana você não me conhecia. – argumentou animadamente. Era exatamente essa animação que estava assustando Melody. – Vamos, Melody, por favor!
− É Mel, Bia, já falamos sobre isso. – Bianca revirou os olhos ignorando seu comentário. – Além disso, não gosto de festas, baladas ou qualquer coisa do gênero.
− Então relaxa, não tem balada ou qualquer coisa do gênero. – afirmou com a mesma animação. Desde o momento em que a conheceu Mel achou que trabalhar em um café não estava fazendo muito bem para  Bia. Tinha absoluta certeza que em suas veias a quantidade de cafeína era bem maior do que a de sangue. Bianca prosseguiu argumentando, enquanto Mel fazia seus próprios planos secretamente, aqueles que envolviam um coberto, uma bela xícara de chá e um livro, é claro. – Tem um lugar que acho que você vai adorar. É uma lanchonete, viu nada de festa. E tem um cara que toca violão super bem e...
Mel a interrompeu entendendo absolutamente tudo.
− Você está interessada nele?
− Nossa, Mel, ninguém fala mais “interessada” hoje em dia, se diz “a fim”. – deu uma piscadela. – Em que século você vive?
− Não sei, no XVIII? – sugeriu com um sorriso.
− Provavelmente! – sorriu. – Então, você vem ou não? – perguntou como uma última proposta. Mel refletiu por um momento. Seria bom conhecer um pouco a cidade, e pelo olhar divagante da sua nova amiga, a noite prometia ser muito divertida. Cedeu, por fim.
− Tudo bem!

• • • •

As horas seguintes transcorreram absolutamente rápido demais. Mel olhou para o seu reflexo no espelho sentindo-se nada animada para a tal noite de garotas. Por alguns momentos até tentou tirar essa ideia da cabeça de Bianca, mas foi totalmente inútil. A garota quando colocava algo na cabeça era completamente irredutível. Sem saída, deu uma última olhada no espelho e pegou sua bolsa que estava em cima da cama.
Estava seguindo em direção ao elevador quando seu celular tocou. Olhou rapidamente para ter certeza que era o seu – desde que havia trocado seu celular outro dia ficara um pouco traumatizada –, e o atendeu.
− Alô!
− Mel? – imediatamente reconheceu a voz, e rapidamente encerrou a ligação. Respirou fundo e resolveu desligar o aparelho temendo que ele voltasse a ligar. Já havia superado tudo, mas isso não queria dizer que pretendia manter contato, nem que poderia fingir que nada havia acontecido.
Se antes seu humor para sair já estava mínimo, agora era praticamente inexistente. Mas prometera acompanhar Bianca até a famosa lanchonete, e era isso o que faria. Ao sair do prédio a via parada, encostada em um carro.
− Uau! Esse carro é seu? – tentou fingir o máximo de empolgação de pôde, mas teve certeza que não se saiu muito bem.
− Não! Mas por essa noite é todo nosso. – gargalhou abrindo a porta do passageiro. – Pronta?
− Claro! – mentiu.
Minutos depois, estavam estrando em uma lanchonete bastante movimentada. Todos os lugares estavam praticamente ocupados. Melody seguia Bianca por entre o emaranhado de pessoas sentindo um pouco de falta de ar com a falta de espaço.
− Achei que não viesse mais. – Mel ouviu alguém dizer, ao olhar para frente percebeu que era com a Bia que esse alguém, um rapaz, falava. – Eu preciso trabalhar Bia, esse lugar simplesmente enche nas sextas-feiras, já pensou no que o meu chefe pode fazer se souber que eu ando guardando lugares para clientes que não deveriam ter preferência?
− Não sei do que está reclamando, eu pago uma boa gorjeta pelo lugar privilegiado. – com uma piscadela Bia sorriu.
− E essa aí, quem é? Não faz parte do fã clube, faz? Por que seria um tremendo desperdício. – ele sorriu para Mel, um sorriso que mostrava todos os dentes perfeitamente brancos.
− Fã clube? – Mel perguntou num sussurro, ignorando o olhar constante do rapaz a sua frente.
− Não liga para o Maurício, Mel, ele é irritante. – disse puxando Melody pela mão e mostrando a língua para o Maurício em um ato que Mel classificou como tremendamente infantil. – Hora do show! – disse esfregando as mãos uma na outra.
 − Divirtam-se! – Maurício falou revirando os olhos e saindo em seguida.
Tudo parecia normal para Mel, sem nada que pudesse indicar algo tão aguardado. Ela achou um pouco estranho que a maioria dos presentes fosse do sexo feminino, estava prestes a perguntar a Bianca o motivo quando todos repentinamente se calaram e apenas uma voz, acompanhada uma suave melodia, preenchia o ambiente roubando vários suspiros, inclusive da Bianca.
Melody ouviu atentamente cada nota que saia do violão e cada palavra cantada. Seguiu o olhar na mesma direção que os demais, e continuou ouvindo a canção que parecia falar mais do que alguém poderia realmente ouvir.
Olhando atentamente para o dono da voz, percebeu algo nele lhe parecera familiar, como se já o tivesse visto antes. Mas não conseguia lembrar exatamente de onde. Quando a música parou momentaneamente, ouviu um som ao seu lado que nada se perecia com o que acabara de ouvir. Era Bianca que havia soltando um longo e pesado suspiro. Seus olhos estavam fixos no cantor e seu queixo apoiado entre as mãos, de maneira sonhadora. Melody riu internamente. Quando voltou sua atenção novamente para o rapaz que estava cantando, teve novamente a impressão de que o conhecia. Apenas alguns minutos depois conseguiu se lembrar quem ele era, ao mesmo tempo que Bia sussurrava seu nome.
− Rodrigo!
Ficou surpresa com tamanha coincidência. Mas, mais do que isso, se surpreendeu com a leveza com a qual ele cantava e tocava. No momento em que ele esbarrou nela, Mel pensou que ele fosse um imbecil sem educação ou sensibilidade... Porém, agora presenciando a maneira como ele transmitia o que estava sentindo através de notas tão simples, repensou e chegou à conclusão de que ele apenas podia ter estado em um dia ruim na época. Ou ele era um ótimo ator e fingia muito bem.

2 comentários:

Unknown disse...

Aiaiaia quero só ver o que vai acontecer com esses dois!!! curiosaaaa...Beijos flor ;-)

Rita M. Cardoso disse...

Ainda tem muita coisa para acontecer, mas já estou apaixonada pelo Rodrigo e pela Mel.

 renata massa