Suspirando, imaginou cadeiras
formando fileiras alinhadas perfeitamente lado a lado. Violinos, flautas, trompetes,
violoncelos, saxofones, um piano... Sem dúvida este seria o cenário onde Mel
sempre desejou trabalhar, passar grande parte dos seus dias, enquanto vários
sons diferentes formavam uma harmonia perfeitamente controlada e delicada ao
seu redor.
Mas, definitivamente,
não no lugar onde se encontrava no momento. Nunca se imaginou usando um
uniforme padronizado, carregando um bloquinho de notas acompanhado de um
sorriso amarelo no rosto, e falando sempre a mesma frase repetidas vezes: “Posso anotar o seu pedido?”.
Tamborilando ritmicamente os dedos sobre o balcão de mármore, recordou como
tudo acontecera.
No dia seguinte após
sair para comprar o que precisava e esbarrar de maneira acidental – mas, sem
dúvida nada simpática em um desconhecido nada gentil –, passou algumas horas
com os olhos vidrados nas páginas dos classificados do jornal que havia
comprado mais cedo. Não havia muita coisa a qual poderia lhe interessar
profundamente, mas, às vezes para recomeçar também temos que abrir mão de
algumas coisas das quais gostamos, era isso que dizia para si mesma enquanto
fazia círculos incansáveis.
Depois do almoço, decidida,
colocou o jornal em sua bolsa e pegou as chaves sobre a bancada da cozinha. Ao
sair do apartamento respirou fundo. Seguindo o caminho para o elevador ouviu
quando um bip avisou que ela havia recebido
uma nova mensagem no seu celular, decidiu que a leria depois. Só conhecia uma
pessoa que poderia importuná-la com uma mensagem de texto, e não estava em um
dia muito bom para aturá-la. Não importava quantas vezes trocasse o número do
telefone, esse alguém sempre encontrava um jeito de conseguir o novo. Irritante!
Caminhou até o elevador.
A porta estava a centímetros de ser fechada, porém, rapidamente conseguiu
interromper o processo. Estava prestes a adentrar no pequeno ambiente
claustrofóbico quando a porta abriu, no entanto, deteve-se ao se deparar com
alguém que a olhava com uma expressão indecifrável. O reconheceu quase que
imediatamente: pele morena, olhos azuis, cabelos levemente ondulados... Era o
desconhecido ao qual havia esbarrado há algumas horas, e a quem, sem querer,
presenteara com um belo banho de café quente.
Ele não parecia muito feliz em revê-la, nem
poderia. Mas ele não tinha o direito reclamar muito, ele também não fora nenhum
cavalheiro de armadura brilhante em não ajudá-la com suas compras que o mesmo havia
derrubado no chão. Aquilo a deixara muito irritada por alguns minutos.
Após um ríspido: “Tem espaço suficiente para nós dois”,
Mel entrou e permaneceu em silêncio enquanto novas pessoas entravam e saiam
tranquilamente, quer dizer, havia uma garota que não parecia tão tranquila
assim. Principalmente quando o elevador parou inesperadamente. Por um momento
Mel pensou em perguntar se ela estava se sentindo bem. Era exatamente isso que
pretendia fazer quando seu celular tocou, agora era uma chamada e não uma
mensagem. O atendeu, mas a voz feminina em tom nada agradável lhe era
desconhecida. E no momento em que a garota perguntou por um tal de Rodrigo Mel sentiu
que havia algo errado, afastou rapidamente o celular do seu ouvido, seu aparelho
tinha um pequeno adesivo da letra “M” que sua irmã Isabella havia colocado, e
ele não estava mais presente. Mordeu levemente o lábio e olhou para quem
poderia ser o tal do Rodrigo. Após relatar rapidamente a troca dos celulares, o
devolveu recebendo um olhar de dúvida e confusão da parte dele. Por apenas um
instante ela achou que ele poderia ser categoricamente desagradável ao receber
o telefone de volta, mas em vez disso, ele sorriu murmurando algo em seguida.
Talvez
ele seja louco, pensou ela em meio a um suspiro entediado. Lembrou que deveria tê-lo avisado sobre a
mensagem de texto, mas achou melhor não, ele que descobrisse por si só.
Finalmente, depois que o
elevador voltou a funcionar, pôde seguir com seu plano inicial: conseguir um
emprego.
No começo não fora nada
fácil, na verdade não foi fácil em parte alguma. Sua falta de experiência não a
ajudou, definitivamente. O que se poderia esperar de alguém que nunca teve que
trabalhar antes? Só inexperiência, é claro! Mas ninguém parecia entender este
pequeno detalhe. E foi assim durante os três próximos dias. Já havia
praticamente desistido quando entrou em um café em estilo charmoso e
aconchegante, o mesmo onde comprara o café de alguns dias atrás e que fora
privada de saborear.
Entrou, caminhou até o
balcão e parou.
− Um café expresso, por
favor! – fez o pedido à garçonete que estava folheando uma revista de moda
tranquilamente. Ela parecia ser a única garçonete do lugar, pelo menos foi o
que Mel constatou ao dar uma boa olhada em volta. No entanto, a garota não a
ouviu, ou fingiu não ouvir. – Er... olá, será que você pode me atender? – Mel
perguntou educadamente, agitando um pouco a mão na frente do rosto da garçonete
distraída.
− Você acha que eu fico
bem de púrpura? – a garçonete perguntou, para a surpresa e confusão de Mel. –
Tipo essa blusa aqui, o que acha? – indicou a página da revista e esperou.
Após um minuto de
silêncio incômodo, a garota levantou a cabeça até seus olhos ficarem no mesmo
ângulo dos de Mel, e esboçou um sorriso, falando em seguida:
− Acho que em você ficaria. – declarou fazendo as
bochechas de Mel corarem levemente. A garota era decididamente linda, com seu
cabelo loiro e liso preso perfeitamente em um rabo de cavalo, maquiagem
delicada e suave destacando os seus pontos fortes: lábios finos, olhos verdes e
sobrancelhas levemente arqueadas. Até o simples uniforme azul escuro com a
logomarca do café parecia elegante. Fechou a revista e incorporou um ar
profissional nada convincente. – Um café expresso, certo?
Melody apenas meneou um
pouco a cabeça, afirmando.
A garota saiu em
seguida. Voltou menos de um minuto depois com o pedido de Mel, sentando na sua
frente e fitando-a fixamente.
− Você não é daqui, é?
– indagou como se estivesse fazendo questionamentos a cerca do tempo. Apenas
nesses poucos minutos Mel percebeu que a garota era mais espontânea do que o
necessário, ou isso, ou esses poucos dias longe da família a fizera se
desacostumar com a civilização que se encontrava no exterior do seu novo
apartamento.
No começo Mel ponderou
se responderia ou não, mas tinha algo na garota que a fazia se sentir a
vontade. Talvez fosse essa espontaneidade desconhecida.
− Acabei de me mudar. –
confessou, após tomar um pouco da bebida quente.
− Sério? Onde você
morava antes? – perguntou ficando mais a vontade no balcão, apoiando os braços
sobre o mesmo e parecendo realmente interessada na resposta que viria.
− Itália. – respondeu.
A garota a sua frente
arregalou os olhos abrindo minimamente a boca em um “O”. Disparando um monte de
perguntas em seguida.
− Como é a Itália? Você
fala italiano? Acho a Itália superinteressante, bem, quer dizer pelo menos é
isso que penso quando vejo fotos de lá. Eu acho o italiano uma língua muito
romântica. Você não tem sotaque, por quê? – jogou a cabeça um pouco para o
lado.
As perguntas deixaram
Mel momentaneamente tonta. Agitando um pouco a cabeça, respondeu.
− Ah... é legal. Sim
para a segunda pergunta e... er... ah sim, eu falo português desde que era
criança, nasci no Brasil e me mudei para a Itália quando tinha oito anos, acho
que é por isso que não tenho sotaque. – confessou se sentindo um pouco exposta.
No entanto, essas eram as únicas coisas que iria falar, não estava com a
intenção de abrir o livro da sua vida para uma desconhecida, mesmo ela sendo
inteiramente e espontaneamente divertida.
Depois de mais um jorro
de perguntas – dessa vez sobre a cidade, o clima e seus habitantes –, a
garçonete ainda sem nome deixou Melody sozinha. Aproveitando seus últimos
momentos de silêncio – pois ela tinha absoluta certeza de que a garota
voltaria, aparentemente Mel era a sua distração oficial do dia –, abriu o
jornal que havia retirado de dentro da sua bolsa e o fitou demoradamente,
suspirando de modo derrotista.
− Pelo menos eu tentei.
– murmurou.
− Você está procurando um
emprego? – Mel levantou a cabeça em descrença, é claro que ela voltaria... Mas,
Mel nunca pensou que fosse tão rápido, e para o seu espanto, os olhos da garota
brilhavam... intensamente. – Você pode trabalhar aqui! – sugeriu. – Vai ser tão
legal. – falou quase cantarolando.
− Estão contratando? –
Mel indagou mordendo um pouco o lábio.
− É claro! Espera aqui,
já volto.
− O quê...
Mas já era tarde demais.
A garota simplesmente desaparecera do seu campo de visão. Mel olhou em volta,
mas só viu as mesmas pessoas que estiveram ali desde que chegara. Após uma
analisada na porta de vidro, percebeu que lá havia um pequeno cartaz escrito: “Precisa-se de garçonete” por apenas um
segundo Mel sorriu, tudo bem que trabalhar em um café não estava em seus
planos, mas, por que não? No entanto, no momento seguinte seus olhos pousaram
na palavra que vinha sendo uma inimiga implacável nos últimos dias: experiência.
Com um longo suspiro,
Mel pegou sua carteira e deixou o dinheiro para pagar o café que havia
consumido. Estava prestes a ir embora quando a garçonete apareceu com um
sorriso que ia de orelha a orelha.
− Está contratada! –
declarou, deixando Mel temporariamente sem reação. Alguns segundos se seguiram
e ela apenas ficou paralisada, desacreditada. – Então... vai querer o emprego
ou não?
Mel piscou os olhos
rapidamente, e então se lembrou do cartaz.
− Eu não tenho
experiência. – afirmou apontando para o cartaz que estava na porta. Mel estava
tão distraído que não o percebera quando entrou, mas agora não fazia tanta
diferença.
− Isso é bem óbvio! – exclamou sem tirar o
sorriso do rosto, e a olhando dos pés à cabeça. – Mas não precisa se preocupar
meu pai é o dono do estabelecimento e me deixou contratar quem eu quiser. – declarou.
– Aliás, meu nome é Bianca, mas pode me chamar de Bia é assim que todos me
chamam. – estendeu a mão na direção de Melody, que sorriu.
− Melody, mas pode me
chamar de Mel. – retribuiu educadamente a mão para Bia, que abruptamente a
puxou para um abraço.
− Nossa vai ser tão bom
ter alguém como você aqui. Esse lugar é um tremendo tédio, você pode me contar
como é morar na Itália e como são os italianos...
E foi assim que acabou
aceitando o emprego de garçonete. Não pelo dinheiro – que definitivamente nem
precisava –, mas, sem dúvida, pela companhia de Bianca. O único problema em
aceitar o emprego, era se seu pai descobrisse, aí sim seria algo para se
preocupar. Juliano certamente também não iria ficar nada satisfeito quando
ficasse sabendo. Mas, decididamente, eles não precisavam ficar sabendo... e não
iriam.
− Tive uma ideia. – Bia
falou cruzando o balcão e sentando-se ao lado de Mel. – Que tal uma noite de
garotas, sabe para comemorar sua chegada à cidade?
Mel fez uma careta.
− Eu cheguei há quase
uma semana, esqueceu?
Bia sorriu. Um sorriso
que mesmo conhecendo há pouco tempo dizia que não era uma boa ideia continuar
com a conversa.
− Há quase uma semana
você não me conhecia. – argumentou animadamente. Era exatamente essa animação
que estava assustando Melody. – Vamos, Melody, por favor!
− É Mel, Bia, já falamos sobre isso. –
Bianca revirou os olhos ignorando seu comentário. – Além disso, não gosto de
festas, baladas ou qualquer coisa do gênero.
− Então relaxa, não tem
balada ou qualquer coisa do gênero. – afirmou com a mesma animação. Desde o
momento em que a conheceu Mel achou que trabalhar em um café não estava fazendo
muito bem para Bia. Tinha absoluta
certeza que em suas veias a quantidade de cafeína era bem maior do que a de
sangue. Bianca prosseguiu argumentando, enquanto Mel fazia seus próprios planos
secretamente, aqueles que envolviam um coberto, uma bela xícara de chá e um
livro, é claro. – Tem um lugar que acho que você vai adorar. É uma lanchonete,
viu nada de festa. E tem um cara que toca violão super bem e...
Mel a interrompeu
entendendo absolutamente tudo.
− Você está interessada
nele?
− Nossa, Mel, ninguém
fala mais “interessada” hoje em dia,
se diz “a fim”. – deu uma piscadela.
– Em que século você vive?
− Não sei, no XVIII? –
sugeriu com um sorriso.
− Provavelmente! –
sorriu. – Então, você vem ou não? – perguntou como uma última proposta. Mel
refletiu por um momento. Seria bom conhecer um pouco a cidade, e pelo olhar
divagante da sua nova amiga, a noite prometia ser muito divertida. Cedeu, por
fim.
− Tudo bem!
• • • •
As horas seguintes transcorreram
absolutamente rápido demais. Mel olhou para o seu reflexo no espelho sentindo-se
nada animada para a tal noite de garotas. Por alguns momentos até tentou tirar
essa ideia da cabeça de Bianca, mas foi totalmente inútil. A garota quando
colocava algo na cabeça era completamente irredutível. Sem saída, deu uma
última olhada no espelho e pegou sua bolsa que estava em cima da cama.
Estava seguindo em
direção ao elevador quando seu celular tocou. Olhou rapidamente para ter
certeza que era o seu – desde que
havia trocado seu celular outro dia ficara um pouco traumatizada –, e o
atendeu.
− Alô!
− Mel? – imediatamente
reconheceu a voz, e rapidamente encerrou a ligação. Respirou fundo e resolveu
desligar o aparelho temendo que ele voltasse a ligar. Já havia superado tudo,
mas isso não queria dizer que pretendia manter contato, nem que poderia fingir
que nada havia acontecido.
Se antes seu humor para
sair já estava mínimo, agora era praticamente inexistente. Mas prometera
acompanhar Bianca até a famosa lanchonete, e era isso o que faria. Ao sair do
prédio a via parada, encostada em um carro.
− Uau! Esse carro é
seu? – tentou fingir o máximo de empolgação de pôde, mas teve certeza que não
se saiu muito bem.
− Não! Mas por essa
noite é todo nosso. – gargalhou abrindo a porta do passageiro. – Pronta?
− Claro! – mentiu.
Minutos depois, estavam
estrando em uma lanchonete bastante movimentada. Todos os lugares estavam
praticamente ocupados. Melody seguia Bianca por entre o emaranhado de pessoas
sentindo um pouco de falta de ar com a falta de espaço.
− Achei que não viesse
mais. – Mel ouviu alguém dizer, ao olhar para frente percebeu que era com a Bia
que esse alguém, um rapaz, falava. – Eu preciso trabalhar Bia, esse lugar
simplesmente enche nas sextas-feiras, já pensou no que o meu chefe pode fazer
se souber que eu ando guardando lugares para clientes que não deveriam ter
preferência?
− Não sei do que está
reclamando, eu pago uma boa gorjeta pelo lugar privilegiado. – com uma
piscadela Bia sorriu.
− E essa aí, quem é?
Não faz parte do fã clube, faz? Por que seria um tremendo desperdício. – ele
sorriu para Mel, um sorriso que mostrava todos os dentes perfeitamente brancos.
− Fã clube? – Mel
perguntou num sussurro, ignorando o olhar constante do rapaz a sua frente.
− Não liga para o
Maurício, Mel, ele é irritante. – disse puxando Melody pela mão e mostrando a
língua para o Maurício em um ato que Mel classificou como tremendamente
infantil. – Hora do show! – disse esfregando as mãos uma na outra.
− Divirtam-se! – Maurício falou revirando os
olhos e saindo em seguida.
Tudo parecia normal
para Mel, sem nada que pudesse indicar algo tão aguardado. Ela achou um pouco
estranho que a maioria dos presentes fosse do sexo feminino, estava prestes a
perguntar a Bianca o motivo quando todos repentinamente se calaram e apenas uma
voz, acompanhada uma suave melodia, preenchia o ambiente roubando vários
suspiros, inclusive da Bianca.
Melody ouviu
atentamente cada nota que saia do violão e cada palavra cantada. Seguiu o olhar
na mesma direção que os demais, e continuou ouvindo a canção que parecia falar
mais do que alguém poderia realmente ouvir.
Olhando atentamente
para o dono da voz, percebeu algo nele lhe parecera familiar, como se já o
tivesse visto antes. Mas não conseguia lembrar exatamente de onde. Quando a
música parou momentaneamente, ouviu um som ao seu lado que nada se perecia com
o que acabara de ouvir. Era Bianca que havia soltando um longo e pesado
suspiro. Seus olhos estavam fixos no cantor e seu queixo apoiado entre as mãos,
de maneira sonhadora. Melody riu internamente. Quando voltou sua atenção novamente
para o rapaz que estava cantando, teve novamente a impressão de que o conhecia.
Apenas alguns minutos depois conseguiu se lembrar quem ele era, ao mesmo tempo
que Bia sussurrava seu nome.
− Rodrigo!
Ficou surpresa com
tamanha coincidência. Mas, mais do que isso, se surpreendeu com a leveza com a
qual ele cantava e tocava. No momento em que ele esbarrou nela, Mel pensou que
ele fosse um imbecil sem educação ou sensibilidade... Porém, agora presenciando
a maneira como ele transmitia o que estava sentindo através de notas tão
simples, repensou e chegou à conclusão de que ele apenas podia ter estado em um
dia ruim na época. Ou ele era um ótimo ator e fingia muito bem.
2 comentários:
Aiaiaia quero só ver o que vai acontecer com esses dois!!! curiosaaaa...Beijos flor ;-)
Ainda tem muita coisa para acontecer, mas já estou apaixonada pelo Rodrigo e pela Mel.
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