Parecia que tudo a sua
volta, de alguma maneira, estava se movendo em câmera lenta. Até mesmo os sons do
ambiente pareciam um pouco distorcidos, distantes.
Melody respirou
profundamente e piscou rapidamente os olhos, procurando se situar.
─ Er... Acho que não
entendi. ─ disse desviando o olhar de Luísa para Thaís rapidamente.
Confusão.
Essa era a palavra que se destacava nessa manhã turbulenta. Tudo estava
acontecendo rápido demais. Em um minuto ela e Dora estavam conversando sobre
Rodrigo e a forma exagerada com a qual ele vinha lidando com o fato de ele e
Dora serem irmãos ─ fato esse que ainda era desconhecido por Dora ─, e no minuto
seguinte Luísa aparece e um clima estranho toma conta da atmosfera. Melody
tentava manter os pensamentos coerentes, entretanto, era um tanto impossível.
Um lado seu estava feliz em rever a amiga da sua mãe ─ um elo que nem ela mesma
sabia que estava precisando resgatar ─ e por essa única razão foi imediatamente
atendê-la deixando Dora falando praticamente sozinha. Então, no instante
seguinte, ao notar o olhar de Dora na direção de Luísa e constatar que as duas
já se conheciam, percebeu a verdadeira situação que se encontrava na sua
frente.
Isso
é loucura!, disse para si mesma, enquanto tamborilava os dedos
impacientemente sobre a mesa.
Para completar, a situação
se tornara um pouco incomoda desde que Dora havia saído do café de maneira
abrupta e perturbada. E Mel ainda estava chocada tentando digerir o fato de que,
a Luísa que estava a sua frente, amiga da sua mãe, e a mulher por quem Caio
tinha uma ligação... romântica eram a mesma pessoa. Ela sabia que deveria ter
ido atrás de Dora, no entanto, não tinha certeza como realmente reagir diante
da situação inusitada em que se metera. Uma batalha de interesses conflitantes
havia se formado dentro de si. Ela deveria falar com Dora, sua melhor amiga e
confidente, mas também não queria ser rude com Luísa. A vida deveria ser um
pouco mais fácil, e as escolhas bem mais evidentes.
Ainda aguardando a resposta
de Luísa, Melody se mexeu na cadeira sentindo-se um pouco desconfortável. Bianca
estava atendendo alguns clientes e lançou rapidamente um olhar de interrogação
para Melody que apenas deu de ombros e voltou a olhar para Luísa, que minutos
antes lhe fizera um pedido ao qual Melody não sabia se estendera muito bem.
Após uma rápida troca de
olhares com a amiga, que estava sentada ao seu lado, Luísa limpou a garganta e
falou:
─ Desculpe, devo estar me
expressando de maneira errada. ─ prosseguiu com cautela. ─ Como eu disse,
trabalho em uma agência de modelos e sou a responsável pela escolha das modelos
para cada campanha. É uma parte um tanto delicada do processo, pois tenho que
selecionar a modelo que melhor representa a campanha e principalmente o
produto. Enfim... ─ desviou o olhar de Melody e lançou um rápido olhar cúmplice
na direção de Thaís, que por alguma razão não parecia partilhar da ideia de
Luísa, ela parecia um pouco desconfiada. ─ Você tem um rosto tão expressivo e
de beleza clássica, acho que combina exatamente com o perfil que estamos
procurando.
Melody piscou os olhos
novamente.
─ Eu? ─ indagou descrente,
meneando a cabeça. ─ Sinto muito, Luísa. Eu... eu nunca pensei em ser modelo,
mesmo que fotográfica. ─ sorriu, nervosa. ─ Talvez até pudesse fazer isso para
ajudá-la, mas... ─ deu uma pausa e suspirou. ─ O meu pai jamais concordaria com
isso, bem, ele não gosta da ideia de eu me expor, sem dúvida ele ficaria uma
fera comigo se descobrisse ─ e ele sempre descobre, concluiu. Prosseguiu. ─
Além disso, o meu irmão também não ficaria nada satisfeito. ─ declarou
perguntando-se o que Rodrigo pensaria dessa proposta. Não que ela achasse que
ele fosse ciumento e possessivo, e, é claro, a história dos dois não estava
definitivamente resolvida, mas tecnicamente estava tudo bem, ele disse que a
esperaria e Mel sabia que poderia confiar nele. Então, era inevitável
envolvê-lo em qualquer decisão que tivesse que tomar de agora em diante. ─ Desculpe-me!
Luísa colocou as mãos ao
redor da xicara de café fumegante e suspirou, ela parecia exausta e preocupada.
─ Ah, claro. ─ sorriu,
minimamente. ─ Não quero trazer nenhum problema para você. Não se preocupe, foi
uma ideia boba afinal. Acho que só estou um pouco desesperada.
─ Se eu puder ajudar de
outra maneira...
─ Certo. ─ alguns minutos se
passaram até ela falar novamente, após dar uma rápida olhada no relógio que
estava no seu pulso. ─ Já está na minha hora, nos vemos uma outra hora quem
sabe. ─ se levantou e estendeu a mão na direção de Melody. ─ Foi um prazer revê-lo
Melody...
─ Mel... ─ Melody pigarreou
sem graça, ainda mantendo o hábito de corrigir a maneira como muitos
pronunciavam o seu nome. Era um tanto inevitável. ─ Pode me chamar apenas de
Mel. ─ deixou o peso dos ombros cair.
Luísa não notou o
constrangimento de Melody, e voltou a falar:
─ Então, Mel, foi um prazer
vê-la novamente, e desculpe o meu pedido sem sentido.
Mel respirou aliviada,
porém, foi provisório.
─ Pedido? ─ uma voz firme e
com um leve sotaque familiar, questionou.
Ambas, Mel e Luísa, se
viraram ao mesmo tempo e encontraram Juliano que as observava com as
sobrancelhas franzidas e um sorriso torto. Ele não tinha nenhum problema em
demostrar sua discordância em relação a amizade da irmã e de Luísa, ele não
confiava muito nela. No entanto, poderia estar apenas sendo ele mesmo, afinal,
não confiava em ninguém que chegasse perto de Melody.
─ Ah! Oi, Juliano. ─ Mel
falou indo na direção dele. ─ Você se lembra da Luísa?
─ Claro. ─ respondeu,
educadamente. ─ Como vai Luísa?
─ Muito bem, e você? ─ sorriu
cautelosamente. Luísa sentia que ele não ia muito coma sua cara, mas o
cumprimentou de volta mesmo assim. Após a rápida saudação, o silêncio imperou
por completo. Olhares eram lançados a esmo, parecia que a manhã de
acontecimentos incômodos não iria chegar ao fim.
─ Luísa? ─ uma nova e
reconhecida voz surgiu novamente atrás deles, seu tom era de surpresa. Todos se
viraram para encarar o novo visitante. Melody sentiu algo que não soube
imediatamente como identificar, mas, no momento concluiu que não gostou de
vê-lo sorrir para ela, mesmo que um sorriso contido e educado.
─ Rodrigo?! ─ Luísa
exclamou, sem graça.
Entretanto, Rodrigo não
demorou o seu olhar na mulher a sua frente, ela poderia ter a beleza mais
estonteante que fosse, porém, seus olhos só conseguiam se encantar por apenas
um sorriso e um olhar em todo o mundo, e nesse momento a dona deles pareciam um
pouco confusa, e havia mais alguma coisa que ele não sabia o que poderia ser.
Poderia ser... Ciúmes? Talvez.
─ Oi. ─ Rodrigo disse, e
todos ficaram em silêncio novamente. Era no mínimo constrangedor.
─ Er... essa é a Thaís. ─ Mel apresentou a amiga de Luísa, quebrando
o estranho silêncio. ─ Thais, esses são Rodrigo e Juliano. O Juliano é o meu
irmão, e o Rodrigo é... um amigo. ─ mordeu o lábio, sentindo o rosto esquentar
e um certo olhar cair firmemente sobre ela. Ótimo!
Rodrigo e Juliano a
cumprimentaram calmamente com um “Oi” murmurado.
─ O-Oi! ─ Thaís gaguejou
nervosa por se tornar o centro da atenção. Entretanto, seus olhos estavam
presos em Juliano. Mel não gostou muito disso também, e rapidamente agarrou o
braço dele, que a fitou sem entender absolutamente nada.
Luísa pigarreou.
─ Está ficando tarde. É
melhor irmos, não é Thaís?
─ Cl-Claro! ─ gaguejou
novamente.
─ Posso saber o que foi
aquilo? ─ Juliano perguntou a irmã após Luísa e Thaís terem partido, há alguns
minutos.
─ Não sei do que você
está falando. ─ Mel deu de ombros, inocentemente, seguindo em direção do balcão.
Rodrigo e Juliano a seguiram e sentaram de frente para ela, e tentando não
encostarem um no outro. Já fora bastante coincidência chegarem ao mesmo tempo
no café, e depois daquela partida de futebol fatídica chegaram a conclusão de
que quanto mais espaço houvesse entre os dois, mais seguro. Mel prosseguiu com o que estava fazendo, no
entanto, o olhar interrogativo e constante de Juliano a fizeram falar. ─ Ok! ─
exclamou impaciente. ─ Não sei bem, só não gostei do jeito que ela estava
olhando para você. ─ confessou. Juliano sorriu e revirou os olhos.
─ Afinal o que a Luísa
estava fazendo aqui? ─ Rodrigo indagou. ─ Eu não sabia que se conheciam.
─ É uma tremenda
coincidência. ─ Mel falou naturalmente. ─ Ela e a minha mãe se conheciam. ─ voltou os olhos diretamente e fixamente para
ele. ─ Também não sabia que se conheciam. ─ cerrou os olhos e o esperou a
resposta.
─ Meu caro, acho que você
está encrencado. ─ Juliano disse se divertindo com um sorriso que ia de orelha
a orelha, fingindo prestar atenção no cardápio.
Rodrigo o ignorou.
─ Eu não a conheço...
realmente. ─ falou calmamente como se estivesse escolhendo bem as palavras. E
sorria internamente. Melody ficava particularmente encantadora quando estava
com ciúmes, mesmo que nem ela mesma soubesse que era exatamente isso o quê
estava sentindo. ─ Só a vi conversando com o Caio algumas vezes. ─ explicou.
Melody sorriu.
Juliano deixou o sorriso
de antes, morrer. Será que esse grande
idiota é tão perfeito assim? Qual é?
Questionou-se. Que cara chato! Como
em resposta a sua pergunta, Rodrigo sorriu vitorioso. Rá! Exclamou internamente.
─ Então, que pedido ela
veio fazer? ─ Juliano perguntou, escondendo o mal humor.
─ Nada demais. ─
respondeu simplesmente esperando convencê-lo, no entanto o modo como ele ainda
a encara a fez falar sobre a proposta de emprego inesperada.
─ De jeito nenhum! ─
Juliano berrou após alguns instantes. ─ É claro que eu não vou...
─ Ei, não precisa ter um
ataque. ─ Melody o interrompeu. ─ Eu não aceitei.
─ Ainda bem. ─ Rodrigo
murmurou. Melody e Juliano o olharam com questionamento. ─ Quer dizer, eu não
gosto muito dela, sei lá. Caio... Dora... Tudo complicado. ─ Justificou-se.
─ A Dora estava aqui quando
a Luísa chegou. ─ Melody comentou.
─ E como ela reagiu?
─ Acho que bem. ─ mentiu.
Não queria que Rodrigo agisse como um Juliano durão e saísse por aí ameaçando o
pobre do Caio. E Dora com certeza também não ficaria feliz, afinal de contas,
eles resolveram esquecer o tal beijo e seguiram como amigos... Certo?
─ Não estou entendendo. ─
Juliano disse, franzindo o cenho. ─ O que a Dora te a ver com a Luísa?
─ O Caio e a Luísa têm
uma... história. ─ Rodrigo respondeu
a contragosto. Essa história ainda não lhe agradava. ─ O Caio é um idiota.
─ Não acho que você deveria
estar tão chateado com o Caio, afinal estava na cara que esse beijo aconteceria
inevitavelmente. ─ Mel falou em defesa de Caio.
─ Não o defenda. Estamos
apaixonados e não saímos por aí nos beijando. ─ Infelizmente! Pensou, lançando um olhar de soslaio para Juliano.
─ Fico muito feliz em saber
disso. ─ Juliano falou seriamente. ─ Mas, nós aqui sabemos que o único motivo
disso não acontecer sou eu. ─ declarou.
─ Eu posso frustrar os planos de qualquer um, certo? ─ ironizou.
─ Não enche! ─ Rodrigo
retrucou.
─ Eu sei que não tenha nada
a ver com isso, mas... ─ Juliano começou tranquilamente sem nenhum indicio de
implicância na voz. Deu uma rápida olhada na expressão da irmã e prosseguiu. ─ Quando
vai contar para Dora que vocês são irmãos?
─ Não tenho certeza. ─
Rodrigo respondeu apenas. ─ O que foi? ─ perguntou ao ver o vinco na testa de
Melody.
─ A Dora... ─ fez uma pausa.
─ Ela está começando a achar esse seu comportamento protetor um pouco estranho.
E de certa forma é, já que ela não sabe quem
você realmente é. ─ endireitou os ombros e prosseguiu. ─ Além disso, ela meio
que está confundindo essa atenção toda com outra coisa.
─ Outra coisa? ─ questionou
sem entender. Melody arqueou uma sobrancelha e cruzou os braços. Olhando dele
para Juliano e vice-versa. ─ Ah! Sério?! ─ exclamou surpreso ao entender do que
ela estava falando. ─ Eu não imaginei que isso pudesse acontecer.
─ É claro que não. Você é um
idiota. ─ declarou Juliano. ─ E um péssimo irmão por estar mentindo... ou
omitindo uma informação tão importante.
─ Isso não é da sua conta. ─
Rodrigo falou irritado. Juliano sempre conseguia tirá-lo do sério. ─ Por que
não para de se meter onde não deve? Eu agradeceria muito se ficasse fora dessa
história, e bem longe da minha irmã.
─ Sei. ─ O italiano sorriu,
maroto. ─ Mas veja bem, isso é impossível já que moramos no mesmo apartamento.
Além disso, ela me adora. ─ constatou fazendo Rodrigo fuzilá-lo com os olhos.
Prosseguiu, ignorando o olhar ameaçador do “cunhado”, ele até estava começando
a criar gosto pela coisa. Irritar Rodrigo era um passatempo muito divertido. ─ Eu
não vou ficar longe dessa história porque me preocupo com a Dora, ela é uma
garota sensível, porém possui uma força que nem ela mesma conhece, ou talvez
esteja começando a conhecer, e se quer a minha opinião conta logo a verdade
para a garota. A Dora merece saber que não está sozinha, ela tem direito a um
pouco de paz afinal.
Rodrigo ficou em silêncio.
Não tinha como argumentar contra isso, mas também não sabia como contar para
Dora que eles eram irmãos, era uma situação complicada. E ainda por cima tinha
o seu irmão. Como será que ele irá reagir quando ficar sabendo? Tudo bem que,
Rodrigo e Robson sabiam que o pai não era nenhum santo, no entanto, não
esperava por isso. O pai ter tido uma
filha fora do casamento não era o real problema, para Rodrigo, pelo menos, mas
sim as consequências do que viria a seguir. Rodrigo estava quase certo que Dora
não iria aceitar tudo muito bem, talvez nem o fato de eles terem uma ligação
especial e fraternal ajudasse quando chegasse a hora. Esse drama todo o estava
deixando preocupado e estressado, além disso, não ajudava muito o irmão da sua
quase namorada estar infernizando a vida dele. Isso não era justo!
Enquanto Rodrigo ponderava
sobre os seus problemas, seu algoz ainda falava incessantemente. Saco! Suspirou.
─ Ah, eu também gostaria muito
que você ficasse o mais distante possível da minha irmã. Entretanto, por uma
razão totalmente desconhecida por mim, ela gosta de você. É irritante, mas não
tenho o que fazer para mudar isso. ─ afirmou por fim.
─ Até que enfim você
entendeu. ─ zombou Rodrigo.
─ Não se sinta vitorioso. Eu
ainda não gosto de você.
Melody os encaravam, pasma.
Sua cabeça era lançada de um lado para o outro como em um jogo de pingue-pongue
ridículo e interminável. E era completamente inútil tentar chamar a atenção de
ambos.
─ Ótimo, porque não é você
quem tem que gostar mesmo. ─ retrucou com impaciência.
─ Olha só...
─ Chega! ─ Mel interveio de
forma autoritária. ─ Vocês querem parar de falar como se eu não estivesse
presente. É ridículo!
─ Foi o seu irmão quem
começou. ─ defendeu-se Rodrigo.
─ Na verdade eu já existia
na vida dela bem antes de você resolver aparecer e se apaixonar por ela. Então,
tecnicamente, foi você quem estragou tudo.
─ replicou Juliano.
─ Eu não estou disputando a
atenção da Mel com você. Pelo amor de Deus, isso é completamente ridículo. ─
Rodrigo exasperou-se, entendendo pela primeira vez qual era o real problema de
Juliano. Ele tinha medo de perder a irmã. Tudo bem, mas, agir como repelente
contra ele era inteiramente... doentio.
─ Tem toda a razão, você é ridículo. ─ provocou, agora não
havia diversão nenhuma no seu tom de voz.
─ Parem com isso, agora! ─
Mel os interrompeu novamente com as mãos na cintura. ─ Vocês dois... Francamente!
Falem comigo quando decidirem agir como adultos. ─ disse severamente e saiu na
direção da cozinha.
─ Mel... ─ Juliano tentou
impedir, mas fora inútil. ─ Viu só o que você fez?
─ Eu? ─ repetiu com
descrença. ─ O irmão chato aqui é você.
─ Pelo o quê eu andei
observando, você também tem agido um pouco parecido com a Dora. ─ Juliano
afirmou, o que fez Rodrigo bufar em resposta. Já era a segunda vez que Melody
os deixava falando sozinhos... ou discutindo, na verdade isso era uma questão
de ponto de vista. Não se tratava de uma simples discussão, estava mais para
uma divergência, uma grande e inacabável divergência de ideias. Ficaram um
pouco em silêncio até Juliano falar novamente. ─ Quer saber, acho que você está
completamente certo com relação a isso, digo esse cuidado com a Dora. Eu gosto
do Caio, ele é um cara legal, mas não quero que ele seja mais que um amigo para
a sua irmã. Como já falei antes, eu realmente gosto dela, mas não do jeito que
você está pensando, só para esclarecer. ─ acrescentou rapidamente. Após um
longo suspiro, prosseguiu. ─ Eu não deveria ter falado daquele jeito sobre você
contar a verdade para a Dora, afinal, você deve saber o que está fazendo. Desculpe-me.
Rodrigo o encarou com
descrença. Eu ouvi bem? O todo poderoso
chefão acabou de me pedir desculpas? Isso irá entrar para a história, sem
dúvida. Concluiu, tentando escondeu o
sorriso, falou apenas:
─ Tudo bem. ─ olhou em volta
e observou enquanto Melody atendia uma mesa, evitando olhar na direção dos dois
bobões que não faziam outra coisa ultimamente a não ser discutir. ─ Ela está
muito irritada, não é?
─ Bastante, eu diria.
─ Temos que dar um jeito
nessa situação. ─ propôs Rodrigo, decidido.
─ Eu bem que estou tentando.
─ Juliano respondeu sem olhar para ele. ─ Entretanto, não é fácil fingir que
gosto de alguém que está tentando roubar a minha irmã.
─ Eu não estou tentando
roubar a Mel.
─ É. Eu sei ─ concordou,
dando de ombros. Ele sabia que estava sendo um pouco irracional afinal.
─ Será que não podemos dar
uma trégua? Pela Mel? ─ Rodrigo sugeriu pacificamente.
─ Não tenho muita
alternativa. ─ se virou e encarou Rodrigo com uma expressão mais relaxada, e
estendeu a mão na direção dele, em um gesto de paz. ─ Trégua então. ─ disse
tranquilamente. No entanto, inesperadamente, puxou Rodrigo e falou em tom seco,
porém com o mesmo sorriso cínico de sempre. ─ Mas não pense nem por um segundo
que abaixarei a guarda, e vou continuar de olho em você e a qualquer deslize
seu.
Rodrigo revirou os olhos,
ignorando a ameaça.
─ Claro.
Permaneceram em silêncio por
alguns minutos, até Juliano declarar que tinha uma ótima ideia para colocar a
trégua em prática. Entretanto, até mesmo nesse momento que deveria ser de paz e
sossego eles conseguiam discutir feito duas crianças. Por fim, entrando em um
consenso, resolveram por o plano em ação assim que viram Melody seguindo na
direção deles.
─ Isso não vai funcionar. ─
Rodrigo avisou.
─ Podemos apenas fingir. ─
retrucou Juliano impaciente. ─ Acha que pode fazer isso?
─ Seria como mentir.
─ E daí?
─ Eu não vou mentir para a
sua irmã, você deveria ser o primeiro a concordar comigo. ─ alertou.
Juliano pareceu pensar por
um segundo e falou:
─ Olha só, não é mentira se
ela não souber, ok? Será apenas uma omissão dos fatos verdadeiros. ─ explicou
calmamente, ficando em silêncio logo em seguida, pois Melody acabara de voltar
para o balcão de pedidos.
─ Vocês ainda estão aqui. ─
comentou apenas. Juliano e Rodrigo perceberam que ela parecia bem mais calma. ─
Vão pedir alguma coisa, ou só estão ocupando espaço mesmo? ─ perguntou com o
seu ar profissional.
Juliano abriu um longo
sorriso e falou:
─ Queremos você!
Melody levantou uma
sobrancelha, em ceticismo.
─ Hã?!
─ O que acha de sairmos para
jantar hoje à noite? ─ Juliano propôs entusiasmado. ─ Eu pago.
Mel franziu a testa e lançou
um olhar rápido na direção de Rodrigo. Estranho! Ele também estava sorrindo.
─ Er... ─ tentou encontrar
uma explicação lógica para o comportamento dos dois, mas não encontrou nenhum.
─ Humm... Nós três? ─ perguntou com hesitação.
─ É. ─ Rodrigo falou, sua
voz estava naturalmente calma. Mel não sabia o que era pior, eles discutindo ou
concordando dessa maneira bizarra e inesperada. ─ Qual o problema?
─ Vocês são se suportam. ─
declarou cruzando os braços seriamente. ─ Até alguns minutos atrás estavam
discutindo.
─ Não é discussão, é
divergência de ideias. ─ Juliano contrapôs, sem deixar de sorrir.
─ Que seja. ─ disse
gesticulando com as mãos. ─ Tudo bem, qual é o plano?
Juliano colocou a mão sobre
o coração de forma teatral.
─ Nossa, Melody, assim você
me magoa. Não confia no sei irmão?
Ela estreitou os olhos.
─ Eu conheço bem vocês dois.
─ suspirou pesadamente. ─ Não precisam fingir que estão se dando bem apenas
para me agradar.
─ Não estamos fingindo. ─
Juliano argumentou. ─ Não nos odiando, mas também não nos amamos. ─ Nos aturamos é a palavra chave. Pensou
com um sorriso sincero e piscou rapidamente os olhos tentando passar um ar angelical
inocente para Melody, que, definitivamente, gargalhou um pouco com a cena.
─ Estamos apenas encontrando
um meio termo, afinal, compartilhamos um interesse em comum. ─ Rodrigo
acrescentou, não acreditando que estivesse fingindo estar se dando bem com o
sem-noção do Juliano só para agradar a Melody. Se ela descobrisse que era uma
farsa ficaria muito, mais muito chateada mesmo.
─ Compartilhamos? ─ Juliano
perguntou arqueando uma sobrancelha.
─ Compartilham? ─ Melody
também indagou.
Rodrigo sorriu torto,
fazendo o coração de Melody disparar gradativamente.
─ Queremos ver você feliz. ─
declarou por fim. Melody sorriu, e foi impossível conter o suspiro de
admiração.
Juliano se controlou para
não colocar o plano
“Fingindo-se-dar-bem-com-o-pretendende-da-sua-irmã-enquanto-bola-uma-maneira-de-fazê-la-ver-que-ele-não-é-esse-príncipe-encantado-todo.”
No entanto, era um pouco difícil. Tudo bem!
É definitivo, eu odeio esse cara! Com toda a certeza, odeio! Pensou internamente.
─ Certo... Aonde vamos? ─
Melody perguntou animada.
─ É uma surpresa. ─ Juliano
respondeu apenas.
─ Quanto mistério. ─ sorriu
para os dois. ─ Obrigada por estarem fazendo isso. É muito importante para mim.
≈ • ≈ • ≈ • ≈
Tem
alguma coisa errada nessa história toda. Ou pelo menos, estranha.
Melody pensou enquanto saia do chuveiro. Decidiu que teria uma conversa
definitiva com Juliano sobre o seu mau comportamento para com Rodrigo. Tudo bem
que eles não estavam discutindo, ou querendo matar um ao outro, no entanto,
algo lhe dizia que essa situação toda tinha alguma coisa que não batia.
Agora, algumas horas depois
do estranho convite, sentindo-se bem mais relaxada e pronta para ter uma
conversa definitiva com o seu irmão cabeça-dura e que estava se mostrando mais
ciumento que de costume, Melody saiu do banheiro secando o cabelo tranquilamente
quando algo chamou a sua atenção. Caminhou até a mesinha de cabeceira e segurou
a caixinha de música em suas mãos e novamente, pela milésima, correu os dedos
sobre a superfície entralhada maravilhada com a delicadeza e riqueza de
detalhes das pequenas flores que a ornamentavam, que ela, até então, não notara
ser lindos Lírios, seu tipo de flor favorita. Sorriu e abriu a tapa da caixinha
deixando o som suavemente tomar conta do ambiente, e prosseguiu com o trabalho
de secar o cabelo, ao terminar, trocou de roupas e foi novamente em direção da
caixinha, fechando-a.
No entanto, nesse momento
acabou assustando-se quando seu celular começou a tocar repentinamente,
fazendo-a soltar a caixinha no chão com estardalhaço. O mais rápida possível se
agachou para verificar o estrago que havia causado ao o objeto. Respirou
aliviada ao perceber que nenhum dano fora sofrido pela caixinha de música,
porém, quando estava prestes a levantar, notou que algo estava diferente, virou
a caixinha e viu que a mesma expunha uma pequena abertura, uma gaveta que para
ela era totalmente desconhecida até o momento. Com cuidado, abriu a gaveta sem
esperar encontrar nenhuma novidade, porém, fitou com as sobrancelhas franzidas
o seu conteúdo.
Dentro da gaveta, havia um
pequeno envelope. Mel o pegou e ficou momentaneamente confusa ao ver o nome que
estava escrito no seu verso: Melody.
Os segundos se passavam e
ela apenas permanecia imóvel, impassível, diante do seu próprio nome escrito
por letras que ela reconhecia, mas era impossível que pertencesse a quem ela
achava que pertencia.
Balançou a cabeça incrédula.
Por um momento, tudo parecia de alguma forma, errado. Fora do lugar.
─ Não pode ser! ─ murmurou
sem conseguir tirar os olhos do envelope.
Talvez estivesse enganada.
Alguém pode tê-lo colocado dentro da caixinha sem que ela percebesse. Juliano,
ou Rodrigo, talvez? Impossível! Mas... Ela conhecia aquela caligrafia
perfeitamente bem, não havia como se confundir quanto a isso. O seu celular voltou
tocar. Melody o ignorou, e finalmente decidiu abrir o envelope. Prendeu a
respiração quando uma correntinha com um pingente caiu em sua mão, junto com um
bilhete. Então, de uma forma completamente viva e incompreensível, o mundo
parecia estar caminhando em câmera lenta, sua respiração ficou acelerado, seu
coração disparado. Melody estava com a impressão de que sufocaria a qualquer
minuto.
Lágrimas percorriam sua face
e, novamente, a caixinha voltou ao chão. Talvez tudo fosse apenas a sua imaginação.
No entanto, parou um pouco para lembrar exatamente a expressão no roto de
Rafael quando se conheceram: fora um misto de surpresa e reconhecimento, que na
época Melody não avia notado de imediato. Mas agora, sentia que algo estava tortuoso.
Também recordou o fato de ele saber que ela tocava violino. Dentre todos os
instrumentos do mundo, ele tinha certeza de que o instrumento dela era o violino. Não foi um palpite. Aquilo não foi tão estranho quando aconteceu,
mas agora era algo a se pensar.
Melody balançou a cabeça
achando tudo muito confuso, tentou encontrar uma explicação um pouco mais
simples e que fizesse mais sentindo. Qualquer um que parasse para pesquisar um
pouco sobre Melody Angnel na internet encontraria mais do que ela gostaria. Sua
família era muito respeitada e conhecida na Itália, sempre saiam notícias sobre
eles nos noticiários.
Mas, se fosse isso, o que
aquela letra significava? Talvez não gostasse da resposta. E por esse motivo
ainda não havia lido o conteúdo da pequena carta.
Pressionou a correntinha
levemente na palma da mão, respirou fundo expulsando a sensação de letargia e
as lágrimas que ameaçavam aparecer, e foi até a pessoa que poderia explicar de
uma vez por todas o que estava acontecendo.
Chegou a luteria em tempo
recorde. Sua cabeça estava tão embaralhada que não percebeu nada a sua volta. Não
se importava nem um pouco por ter saído sem avisar, muito menos com a chuva que
caia incessantemente a encharcando completamente. Sem bater, entrou na loja de
Rafael o encontrando concentrado lendo alguma coisa no balcão. Caminhou até lá
e sem aviso, colocou a caixinha e a correntinha na frente dele.
─ O que significa isto? ─
indagou com a voz rouca, dos seus cabelos caiam gotas e mais gotas de água
sobre o chão. E somente agora que estava dentro de um ambiente protegido que
percebeu o quanto estava tremendo. Só não tinha certeza se era pelo frio, ou de
pavor pelo que viria a seguir.
Ele ergueu os olhos.
─ Então você o encontrou. ─
foi a sua única resposta.
Um novo trovão soou de forma
ensurdecedora do lado de fora da luteria, quebrando o silêncio e fazendo-a
sobressalta-se assustada, segundos depois um clarão tomou conta do espaço a sua
volta.
Ouviu o seu celular tocar
novamente, olhou atentamente para o visor: Juliano. Suspirou mordendo o lábio,
pois já era a terceira vez que ele ligava, ela apenas o ignorou mais uma vez.
Falaria com ele depois, quando finalmente entendesse a situação.
Neste momento, ela e Rafael
estavam no andar de cima da luteria. Puxando firmemente as bordas do cobertor
para si, evitando o frio, deu uma rápida olhada ao seu redor, o local era
organizado e possuía alguns moveis; um fogão, uma cama de solteiro, uma
poltrona e duas cadeiras em estilo clássico. Talvez ele costumasse passar muito
tempo aqui depois do expediente, analisou pensativa.
Melody permaneceu em pé,
paralisada, olhando para Rafael sem compreender o que estava acontecendo. Logo
após entrar na luteria, completamente encharcada e confusa, ele lhe ofereceu um
cobertor ─ já que ela tremia incontrolavelmente ─, mas não respondeu a sua
pergunta, não como ela esperava. Por algum motivo ele estava relutante. As
lágrimas que caíram assim que reconheceu a caligrafia escrita no pequeno
envelope, haviam cessado. O que a deixava pensativa e com inúmeras indagações
flutuando em sua cabeça não era a correntinha nem o envelope em si, muito menos
a caixinha e o motivo pelo qual ele a entregara para ela, mas sim a caligrafia,
pois a reconhecia perfeitamente: era da sua mãe.
Os minutos se arrastavam e
ela ainda esperava por uma resposta coerente para a sua indagação simples.
─ Sente-se! ─ ele disse
indicando uma cadeira, mesmo hesitante, ela obedeceu. Logo depois, Rafael
depositou uma xícara de chá nas mãos dela, arrastou uma cadeira e sentou-se de
frente para ela, também com uma xícara em mãos, franziu a testa e a observou
por alguns segundos, pigarreou, respirou fundo e falou, tranquilamente. ─ Não
deveria ter saído numa chuva dessas, poderia pegar um resfriado. ─ advertiu
sinceramente com um sorriso mínimo.
No entanto Melody ignorou os
seus cuidados, apenas segurou a xícara que fumegava sem dar atenção ao
conteúdo. A tranquilidade com a qual ele se dirigia a ela e seu tom de voz
contido ─ que antes Melody admirava ─ neste pequeno momento interminável a
estava deixando impaciente.
─ Eu quero respostas. ─
falou firmemente sem rodeios. ─ Como essa caixinha veio parar com você? Por que
minha a mãe a entregaria a você e não a mim? Você a conhecia? ─ indagou, sua
respiração estava ficando pesada e seus olhos marejados novamente. Engoliu em
seco, sem desviar o olhar nenhum momento do dele. ─ Responda! ─ ordenou.
Ele bebericou um pouco do
chá.
─ A caixinha... ─ começou a
falar. ─ fui eu quem a fiz. ─ declarou, pousando a xícara no pires. ─ Sua mãe,
Marissa, disse que tinha que ser exatamente como você gostaria que fosse, cada
pequeno detalhe. ─ pegou a caixinha e a observou. ─ Ela disse que Lírios eram
as suas flores preferidas. ─ sorriu. ─ Ela não soube explicar muito bem o
porquê, só que você gostava da forma como elas balançavam ao vento. Achei
interessante a descrição, por isso as entalhei como se elas estivessem em
movimento. ─ enquanto falava, corria o polegar contornado o entalhe das flores.
─ E essa... ─ abriu a caixinha e girou a chave, dando corda, deixando a música
ressoando no ambiente. ─ era canção que ela costumava tocar para você. ─
suspirou. ─ Ela queria que fosse o presente perfeito! ─ declarou por fim,
distraído.
Mel piscou os olhos e
franziu os lábios.
─ Então você conhecia a
minha... mãe. ─ balbuciou.
Ele assentiu.
─ E a você também. ─
completou.
Ela meneou a cabeça, em
dúvida.
─ Mas, como? ─ sentiu a
garganta seca. ─ Quero dizer, eu não me lembro de você. ─ disse. ─ Como
conheceu a minha mãe? ─ perguntou, estava intrigada.
Ele sorriu e, por um
momento, como acontecia algumas vezes, ela pareceu reconhecer esse sorriso de
algum lugar. Suspirou, talvez estivesse prestes a descobrir.
─ Você era muito pequena
para lembrar, mas sua mãe sempre a trazia aqui. Acho que você tinha uns cinco
anos na época, depois sua mãe deixou de vir até aqui. ─ fez uma pausa. ─ A
saúde dela já estava... delicada. ─ comentou e a olhou com um olhar diferente,
Mel sentiu o coração palpitar. ─ Eu era a única família que estava por perto, e
em quem ela podia confiar.
Mel arregalou os olhos,
estática. Aquilo, sim, foi uma surpresa inesperada.
─ Família? ─ repetiu,
estreitando os olhos. ─ Como assim, família? Pensei que todos os parentes da
minha mãe fossem do Rio de Janeiro. Além disso, o Caio me disse que você é de Cuba.
─ informou enquanto analisava atentamente cada detalhe do rosto dele, não tinha
nada a ver com os traços da sua mãe, ou os seus. Isso estava ficando cada vez
mais confuso.
A expressão no rosto dele
mudou, ficou um pouco triste.
─ É, eu sou cubano. ─
afirmou depois de mais um gole no chá, limpou a garganta e prosseguiu. ─ Alguns
anos após chegar ao Brasil, conheci alguém muito especial, nos apaixonamos e
casamos pouco tempo depois. ─ explicou. Era impressão sua ou ele corou?, Melody
notou reprimindo um sorriso. Recompondo-se, ele continuou. ─ Minha esposa, que
Deus a tenha, era irmã da sua avó. ─ revelou, e retirou uma pequena fotografia
da sua carteira entregando a Melody, que a pegou em seguida.
A mulher que estava na foto
tinha a aparência de um querubim, com um rosto de traços delicados, sorriso
tímido e sincero, um olhar cativante, um pouco sonhador. Ela deveria ter uns
vintes anos ou um pouco mais na época em que a foto fora tirada. Mel notou que
estava sorrindo, mas era impossível não sorrir.
─ Ela era linda! ─ exclamou
com admiração.
Ele sorriu.
─ Sim, ela era. ─ concordou
recebendo a foto que Mel devolvia, olhou-a por um instante antes de guardá-la
novamente na carteira. ─ Ela morreu pouco antes da sua mãe se mudar para cá,
elas eram muito ligadas, sua mãe e minha Sophia. ─ parou e respirou fundo. ─
Você sabe por que a sua mãe veio para cá, não sabe? ─ Melody negou com a
cabeça, mas lembrando a maneira como os seus avós se comportaram no cemitério,
ela tinha uma ligeira suspeita. ─ Seus avós a expulsaram de casa quando
descobriram que ela estava grávida e Marissa se recusava a dizer quem era o
pai, e também se negou a procurá-lo. ─ Rafael falava com o máximo de cuidado
que podia, escolhendo bem as palavras para não magoá-la, pois sabia que a
história era um pouco complicada e tensa. ─ Marissa era a filha perfeita,
talentosa, gentil, doce... o tipo de pessoa com um futuro brilhante pela
frente, ela podia fazer qualquer coisa que quisesse. ─ suspirou e olhou para
Melody, mas ela não queria encará-lo e olhava para o chão. ─ Os pais queriam o
melhor para ela, ou o que achavam ser melhor.
Melody sorriu de forma
sarcástica limpando algumas lágrimas que caiam.
─ E eles não queriam que eu
nascesse. ─ ela falou afirmativamente voltando a olhar para ele. ─ Sei que é
isso que está querendo dizer e não tem coragem. ─ alegou.
Rafael acenou, concordando
com tristeza.
─ Sua mãe pertencia a uma
família tradicional, costumes regras. ─ meneou a cabeça. ─ Ela não se importou
com nada disso, nem com a ameaça dos pais em deserdá-la. ─ ele estendeu a mão
direita para ela, hesitante, Melody aceitou o gesto e ele apertou sua mão, que
tremia um pouco. ─ Marissa a queria mais que qualquer coisa, Melody. Ela a
amava muito, amou desde o momento que soube da sua existência.
─ Eu sei. ─ sorriu
agradecida, com a mão esquerda Rafael retirou delicadamente as lágrimas que
ainda caiam.
É
difícil aceitar que você teve o amor de alguém tão especial e que, sem nenhuma
alternativa, teve que deixar esse alguém ir embora, pensou
triste. Ela nunca teve raiva de Deus por isso, sabia que tudo na vida acontece
por algum motivo, alguma razão que nem sempre compreendemos, mas temos que
aceitá-la.
A voz de Rafael trouxe
Melody de volta dos seus devaneios.
─ Quando sua mãe apareceu tentei
persuadi-la a entrar em contato com o seu pai, afinal, ela era tão jovem para
cuidar de uma criança sozinha, mas ela disse que você era somente dela. ─
prosseguiu. ─ Então apenas dei apoio e a recebi de braços abertos, ela ficou
comigo até você nascer depois afirmou que poderia cuidar de você sozinha e que
precisava de um lugar só para vocês, por isso ela se mudou.
─ Eu não entendo. ─ Melody
fungou. ─ Por que não me disse quem era simplesmente? ─ perguntou um pouco
magoada. ─ Para que esse mistério todo?
─ Não era mistério. ─
replicou com um sorriso. ─ Só não sabia como falar com você sobre isso. No dia
em que a vi entrando na loja fiquei praticamente petrificado, não esperava
vê-la novamente. Você cresceu e virou uma mulher linda. ─ comentou. ─ Não a reconheci
imediatamente, mas bastou apenas prestar um pouco mais de atenção... você se
parece muito com a sua mãe, principalmente os olhos. ─ afirmou, Melody abriu um
largo sorriso. ─ Eu esperava que você se lembrasse de mim, mas como isso não
aconteceu... achei que seria melhor assim. Lembranças, algumas vezes mesmo que
boas, podem trazer alguma dor junto com elas.
Houve um longo silêncio em
seguida.
─ Você não tomou o seu chá.
─ ele observou, franzindo a testa.
Ela deu ombros.
─ Acho que me distrai. ─
disse comprimindo os lábios, como se estivesse pedindo desculpas.
Rafael balançou a cabeça e
deu uma pequena risada, logo em seguida se levantou e pegou a xícara da mão
dela alegando que o chá já estava frio e foi em direção ao fogão preparar
outro. Melody respirou fundo e, pela primeira vez desde que adentrara na
luteria nesta noite maluca, sentia-se aliviada. Analisou o senhor a sua frente
e esboçou um sorriso, estava feliz por ele, de alguma forma, fazer parte da sua
família, uma família que ela nunca teve a oportunidade de conhecer a fundo.
Desviou o olhar para a sua
caixinha de música e reparou no envelope que estava repousando ao lado dela.
Mordeu o lábio inferior, ergueu a mão para pegá-lo e durante alguns segundos,
que mais pareceram uma eternidade interminável, apenas o encarou, queria saber
o que estava escrito, mas não sabia se estava preparada, pois, de certa forma
aquele envelope misterioso continha as últimas palavras da sua mãe,
direcionadas diretamente para ela.
É claro
que estou!, afirmou para si mesma. Afinal
era para ser o meu presente de aniversário de nove anos, estou alguns anos
atrasada e preciso abri-lo.
Tomando uma decisão
definitiva, finalmente abriu o pequeno envelope e com a respiração presa,
calmamente, leu o seu conteúdo.
Querida Melody,
Os sonhos que você sonhou
realmente se realizam.
Você se lembra dessa frase?
É claro que lembra, é da sua canção favorita. E você é o meu sonho realizado,
eu te amo muito, e sei que você sabe o quanto é importante para mim, querida.
Por isso quis que o seu presente de aniversário fosse perfeito, assim como esse
sorriso lindo que você tem e que ilumina todos os meus dias. Essa caixinha de
música, com a nossa música, é um símbolo, um pequeno símbolo do meu amor e
devoção a você, e de que sempre estarei ao seu lado, meu amor, não importa o
que aconteça. Nunca esqueça que você sempre será minha pequena melodia, meu
anjinho de luz. E lembre-se, sempre que sentir a minha falta abra-a e estarei
presente.
Feliz aniversário!
Com amor,
Mamãe.
Terminou de ler a carta da
sua mãe, e mesmo chorando sorriu.
─ Mamãe... ─ suspirou fechando
os olhos e pondo a folha de papel sobre o coração. ─ sinto sua falta.
Durante alguns minutos ficou
presa em todas as boas recordações que tinha dela e da mãe juntas, mas, dessa
vez, não se sentia triste e esquecida, por algum motivo, a saudade não estava
machucando, ainda doía, é claro que sim, no entanto, a dor era diferente,
suportável, talvez fosse um preço a pagar pelas suas lembranças felizes, ou
talvez, só talvez, apenas precisasse aceitar que estava amadurecendo.
Balançou a cabeça tentando colocar
as ideias no lugar, tanta coisa havia acontecido em uma noite que deveria ser
simples e agradável... Parou e lembrou-se de algo importante.
Droga!
O jantar com Rodrigo e Juliano. Como pude esquecer? Bem isso teria que ficar
para depois, eles entenderiam que ela não teve escolha,
concluiu.
Olhou para o seu relógio,
estava ficando tarde e a chuva continuava caindo lá fora, precisava avisar onde
estava. Tateou dentro da bolsa, a procura do seu celular, o encontrou, porém o
mesmo estava desligado, ela pressionou o botão e tentou religá-lo, mas fora
inútil. Ótimo, teve que acabar a bateria
logo agora?! Olhou para os lados, em busca de um telefone, e de repente
seus olhos foram atraídos para o criado-mudo que ela não notara até então,
estava num canto de parede, um pouco distante da cama. Caminhou até lá e notou
que havia alguns porta-retratos sobre ele; um com a foto dele e da esposa,
outro com uma família reunida, seus filhos e netos, ela concluiu. E logo ali,
quase escondido entre eles, para a sua surpresa, havia outro com uma foto da
sua mãe e ela ainda bebê, sorriu e percebeu que existia outro por trás deste.
Pegou o objeto e o fitou demoradamente, as surpresas nunca acabavam, era uma
foto sua tocando violino, se estivesse certa, se lembrava exatamente onde
aquela foto fora tirada: na orquestra de Roma, a primeira vez em que se
apresentou em público. Suspirou lembrando algumas coisas que aconteceram
naquela noite em questão, ela estava radiante, feliz em poder fazer algo que
gostava, mas Fernando, seu pai, não parecia tão feliz assim, seu rosto exibia
um misto de descontentamento, tristeza, e um pouco, mas só um pouco, de
encorajamento. Ela nunca esquecera o quanto aquilo a machucou. Decepções fazem
as pessoas mudarem radicalmente, para melhor ou para o pior: você escolhe.
Virou-se e ergueu o
porta-retratos.
─ Então foi assim que
descobriu que eu tocava violino? ─ perguntou vendo que ele vinha em sua direção
com o chá.
─ Tenho acompanhado a sua
carreira a distância. ─ justificou-se, envergonhado. Entregou uma nova xícara
de chá, agora quente.
─ Bem, eu não chamaria de
carreira. ─ contrapôs e sorriu levando a xícara aos lábios, seu corpo agradeceu
por receber um pouco de calor. ─ Está mais para um hobbie. ─ mentiu, e calou-se em seguida, não era algo que gostasse
muito de discutir. Rafael franziu as sobrancelhas, sem entender, mas não tocou
mais no assunto, e ela agradeceu mentalmente por isso. Tomando um pouco de chá,
Mel percebeu que havia esquecido a correntinha, a segurou e olhou para o
pingente em forma de coração.
─ Não vai abrir? ─ ele
perguntou.
Ela o encarou sem saber
sobre o que ele estava falando e olhou novamente para o pingente, descobriu que
possuía um compartimento para uma foto, com delicadeza, ela o abriu.
Piscou, sorrindo.
─ Eu me lembro dessa foto.
Foi no nosso último piquenique. ─ ela informou emocionada sem tirar os olhos da
foto. Lembrava-se perfeitamente bem, na verdade. Havia sido em um dormindo, o
dia em que sempre faziam um piquenique, e escolhiam sempre o mesmo lugar; um
ipê-amarelo que ficava perto de um lago no parque. Marissa nunca a deixava
chegar perto o bastante do lago, mas Melody adorava o lugar, principalmente
quando podia ver as flores dançando com o vento. Era como sentir os versos de
um poema clássico, ou as notas de uma canção rara, sua mãe dizia. A foto fora
tirada exatamente no momento em que o vento batia e as flores caiam levemente
da árvore.
Sua garganta apertou,
engoliu se desfazendo do nó desconfortável, e suspirou deixando uma lágrima
cair pelo seu rosto. Melody tinha uma cópia dela na Itália, e costumava dormir
todas as noites olhando para o sorriso da mãe. Ficou triste ao chegar ao Brasil
e descobrir que a tinha esquecido, mas agora ela estava aqui novamente, lhe
fazendo companhia.
Alguns momentos depois, após
fechar o pingente e guardá-lo ─ assim como a carta da sua mãe e a caixinha ─
Mel decidiu que estava na hora de ir, mas a chuva se recusava a passar,
frustrando-a. Rafael disse que ela poderia ficar o tempo que fosse preciso.
─ Então, parece que você é
meu tio, acho. ─ arriscou em certo momento.
Ele gargalhou.
─ Pode até me chamar de tio
Rafa se quiser. ─ disse erguendo uma sobrancelha.
─ Acho que vou gostar disso.
─ disse sem conseguir deixar de sorrir. ─ Tio Rafa, quem diria? ─ mudou o tom
de voz e mordeu o lábio. ─ Me desculpe pela minha entrada abrupta mais cedo, eu
fui um pouco rude, sei que estava um pouco nervosa e confusa, mas isso não é
desculpa. Sinto muito, mesmo!
─ Está tudo bem. ─
tranquilizou-a, sinceramente. ─ Como vocês jovens costumam falar sempre,
relaxa.
Ambos gargalharam. Ele se
aproximou e estendeu os braços, oferendo um abraço, ela aceitou de bom grado
sentindo uma paz tranquilizadora.
─ Obrigada. ─ ela sussurrou.
A essa altura a chuva
finalmente havia cessado. Melody se despediu de Rafael e saiu da luteria
prometendo aparecer no dia seguinte para conversarem um pouco mais. No entanto,
havia algo que precisava saber antes de ir. Ela precisava saber sobre os seus
avós, eles nunca mais tinham a procurado, e mesmo sabendo que o seu pai tinha muito
a ver com isso, sentia que existia algo mais. As suas suspeitas foram
confirmadas assim que tocara no assunto, pois a expressão no rosto de Rafael
assegurava isso, foi como se ele de repente ele tentasse mascarar a verdade,
tentando esconder alguma coisa. Tinha algo errado. Questionando-o ele
finalmente declarou, com pesar, que a sua avó havia falecido há mais ou menos
três anos. E, mesmo não a conhecendo, Melody sentiu um aperto doloroso no
coração, ela não escolheu conviver longe deles, e tinha certeza absoluta que
eles haviam se arrependido das decisões erradas que tomaram. Rafael também
contou que não tinha muito contato com a família da falecida esposa, mas sabia
que o meu avô ainda morava no Rio de janeiro, e estava bem de saúde.
Sem saber de onde, uma ideia
lhe surgiu repentinamente, fazendo-a tomar uma decisão inesperada e um pouco
precipitada. Mesmo sendo um pouco tarde, notou que as luzes da cafeteria ainda
estavam acesas, foi até lá e encontrou Bianca, talvez a chuva a tenha obrigado
a permanecer ali, Melody pensou ao ver que ela se prepara para fechar.
─ Mel?! ─ Bia exclamou,
fitando-a atentamente. ─ O que aconteceu com você, garota, seu cabelo está
péssimo. ─ fez um careta teatral. ─ Estava brincando de Cantando na Chuva por acaso? ─ brincou.
Melody mordeu o lábio.
─ É uma longa história. ─
começou, respirou fundo, e antes que mudasse de ideia, disse: ─ Mas, resumindo,
preciso do seu carro emprestado. ─ anunciou.
─ Ok! ─ respondeu sem
pestanejar e entregou as chaves do carro, o que foi estranho. Bianca era
curiosa por natureza e adorava fazer perguntas, principalmente quando dizia
respeito à Melody.
Após dar uma rápida
analisada na amiga que parecia ter sobrevivido a uma grande tempestade, Bia
aconselhou Melody a dar um jeito na sua aparência rapidamente. Olhando para si
mesma e dando uma breve avaliativa no seu cabelo, teve que aceitar que sua
aparência estava lastimável. Rolando os olhos Mel concordou em vestir uma roupa
seca e limpa que Bia havia lhe emprestado, enquanto sua amiga, pacientemente,
dava um jeito no seu cabelo e o prendia em um rabo-de-cavalo alto.
─ Bem melhor assim! ─ Bia
aprovou.
Melody assentiu concordando,
estava se sentindo bem mais confortável agora.
─ Posso usar o seu celular
por um minuto? ─ Mel perguntou.
Franzindo a testa, Bia deu
de ombros.
─ Fique a vontade. ─ disse
apenas, entregando o aparelho, mas achando o comportamento de Melody um tanto
suspeito.
Melody discou os números e
se afastou um pouco de Bianca, ouviu alguns tuns
repetitivos até ele, finalmente, atender.
─ Juliano... ─ falou, e
antes mesmo que o seu irmão dissesse alguma coisa, ela o cortou. ─ preciso de
um favor.
─ Mel, está tudo bem? ─ Bia
sondou assim que a amiga finalizou a ligação, ela ouvira alguns trechos e pelo
o que pode perceber Melody estava saindo da cidade, e parecia bastante ansiosa.
Bia percebeu também, pelo modo como Mel afastou o celular do ouvido quando
estava falando com Juliano, que ele não estava nada feliz com a decisão dela. ─
Você está fugindo da cidade ou algo do tipo? ─ inqueriu Bia, cuidadosa.
─ Mais ou menos. ─ admitiu.
─ Olha, eu vou entender se não quiser emprestar o carro, afinal eu não venho
sendo um modelo de melhor amiga ultimamente.
─ Sem drama, ok! ─ disse
colocando as mãos na cintura de forma despreocupada. ─ Você pode ficar com o
carro o tempo que quiser, só cuida bem do meu bebê. ─ avisou, descontraída.
Melody agradeceu e a abraçou quebrando a tradição, já que quem costumava
abraçar sem permissão e espontaneamente era Bianca. Esta piscou desconfiada com
a atitude da amiga.
Quinze minutos depois, logo
após deixar Bianca em casa, Melody parou em frente ao prédio em que morava,
Juliano já estava a sua espera. Com os braços cruzados e uma carranca, ele
encarou a irmã quando ela parou o carro.
─ Pronto, suas malas! ─
disse sem muito humor, estreitando os seus olhos azuis-acinzentados, que nesse
momento lampejavam. ─ Agora, dá para me contar o que está acontecendo?