29 de outubro de 2013

Capítulo 33 - O que aconteceu?

Uma história em quatro mãos - Laços do coração


                       Rodrigo ficou parado, pensativo enquanto tentava tomar uma xícara de café.
Faltava menos de uma hora para o jantar com seu “querido cunhado” e Mel.
Já havia tomado banho mais cedo, estava pronto para sair. Mas algo o deixou apreensivo. Estava tentando entender o que. Será que era esse jantar de “amigos”?! Não gostava da ideia desse jantar, concordou apenas pelo bem de Mel, mas ao mesmo tempo odiava agir com falsidade e não queria que isso o afasta-se dela.
Por um momento pensou que sim, mas quando finalmente largou sua xícara de café já fria, um pressentimento tomou conta do seu ser. A única pessoa em que ele pensou foi Mel, apenas Mel e mais ninguém e saiu desesperado por sua procura.

* * * * *

Rodrigo estava impaciente, andava de um lado para outro. Ninguém atendia o celular. Não conseguia falar com ninguém. Caio estranhamente não passou a noite em casa e suas ligações caiam na caixa postal e Dora, sua irmã também havia sumido. Aonde ela estava? E Mel? Será que aconteceu algo com elas?
O que estava acontecendo? Ninguém atendia o celular. Ele respirou fundo por um momento tentando manter-se no controle da situação embora nem soubesse o que fazer ou como agir.
_ Rodrigo! A Mel e o Juliano... – Dora entrou correndo pela porta assustando-o.
Ficou aliviado em ver sua irmã. Sem dizer nada a interrompeu e abraçou-a fortemente _ Onde você estava? Cadê a Mel?
Dora rapidamente o afastou dele _ Pare com isso.
_ Só quero saber se você está bem. Passou a noite toda fora, aliás todo mundo até o Caio – cruzou os braços a encarando seriamente _ Vocês estavam juntos? E cadê a Mel?
Dora arregalou os olhos e protestou _ Qual é o seu problema? Me deixa em paz. Se eu estiver com Caio ou com quem quer fosse é problema meu.
Rodrigo ficou assustado pelo tom exasperado da voz de sua irmã. Imediatamente venho à sua memória o comentário de Mel sobre o que Dora estava achando do seu cuidado excessivo.
_ Desculpe Dora – respirou fundo tentando contornar a situação _ Você é como uma irmã para mim, por isso que me preocupo tanto. Aliás na verdade...
Nesse momento Caio apareceu interrompendo a conversa dos dois.
_ Ah... Bom dia! – Disse sem graça.
Dora e Caio se olharam por um momento. Foi rápido, mas o suficiente para Rodrigo perceber que alguma coisa havia acontecido, pois sua irmã de repente ficou vermelha e não o encarou mais.
_ A Mel e o Juliano desapareceram – Dora voltou ao assunto principal ignorando seus sentimentos e aquele momento confuso e estranho.
_ Estou tentando ligar para eles desde ontem a noite. Não consegui entrar no apartamento.
_ Como assim? – Caio voltou a realidade.
_ Venha aqui ver – Dora os conduziu ao seu apartamento, e mostrou o quarto de Mel. Abriu o guarda-roupa, estava praticamente vazio. Outras coisas que estavam em sua mesinha de canto também haviam sumido.
Rodrigo ficou sem reação ao ver aquela cena. Tudo parecia se tornar ainda mais real do que já era. Mel havia sumido... Quer dizer, levou suas coisas. Então... Será que ela decidiu ir embora? Mas... sem dizer nada para ninguém?
Rodrigo abanava a cabeça não acreditando naquilo que seus pensamentos pareciam querer dizer. Não podia ser verdade. Mel não faria uma coisa dessas com ele. Faria?
Com muito esforço, respirou fundo e perguntou friamente _ Não tem nenhuma carta? Você procurou em tudo? Ela não pode simplesmente ter ido embora sem falar nada.
Dora se compadeceu da tristeza de seu amigo, rapidamente vasculhou o apartamento à procura de alguma coisa que Mel tivesse deixado. Rodrigo tinha razão, ela não podia ter ido embora assim, sem mais, sem menos. Pelo menos uma cartinha, um bilhete, alguma frase, qualquer coisa... No entanto aquilo que mais Rodrigo temia aconteceu. Não havia cartas, bilhetes, mensagens, telefonemas, recados, nada de nada. Simplesmente sumiu levando consigo sua roupa e o Juliano, pois suas coisas também não estavam mais lá.
Até pensaram em seqüestro, algo do gênero, mas as provas eram as mais verdadeiras possíveis. Mel e Juliano foram embora sem dar satisfação para ninguém.
Mel e Caio se entreolharam em cumplicidade pelo amigo que parecia indignado com a situação. Eles mesmo ficaram sem entender como isso pôde acontecer, ou melhor, como ela pôde fazer isso com eles, principalmente Rodrigo que já sofrera tanto.
Rodrigo saiu daquele apartamento indignado, socou a sua porta assim que entrou. Como ela pôde fazer isso? Os dois tinham uma ligação. Ele prometeu que iria esperar o tempo certo para os dois ficarem juntos mesmo com as implicâncias do irmão. Será que Juliano havia feito a cabeça de Mel de tal forma que ela decidiu ir embora?
Rodrigo abanava a cabeça com os pensamentos que vinham sem parar. Indagações dúvidas e ressentimentos. Uma onda de dor do passado voltou à tona. Quando finalmente conseguiu acreditar em uma mulher, ela o trai dessa forma.
Deu um soco da mesa de novo, mas não deixou que uma lágrima caísse. Já sofreu por mulher uma vez e não iria acontecer pela segunda vez.
Dora e Caio vieram em seu auxílio vendo a fúria em seus olhos não disseram nenhuma palavra, apenas ficaram ao seu lado, como amigos leais, coisa que Mel não estava sendo ou talvez nunca tenha sido.
Será que ela foi capaz de ser tão falsa com ele? Rodrigo não cansava de fazer essa pergunta para si mesmo e estava decidido, iria arrancar tudo aquilo que fizesse o lembrar dela.
Então olhou para Dora pela primeira vez e seu coração acalmou-se. Era sua irmã, estava com ele, mesmo sendo estúpido no momento. Teria que contar a verdade. Não queria que ninguém senti-se a dor que o estava atormentando. Mas ainda se perguntava o que era o mau pressentimento que ele havia sentido na noite anterior?! Provavelmente a notícia que nunca imaginou receber.


Aquele dia tinha sido horrível. Apesar de Rodrigo ainda estar inconformado e doida com o acontecido, decidiu que isso não iria estragar a sua vida. Só por que pensou que era a mulher da sua vida? Errou em pensar isso, mas só de pensar em nunca mais a vê-lo começava a ficar deprimido. Mas era só lembrar o que ela tinha feito que a raiva começa a tomar conta do seu coração.
Rodrigo, Caio e Mel entraram numa cafeteria a duas quadras do prédio onde moravam. Era nova, nunca entraram ali. Decidiram ir nessa por que Rodrigo não queria nenhum contato com algo que envolvesse Mel.
Escolheram a última mesa, nem num cantinho onde podiam observar todo o movimento. Fizeram seus pedidos e enquanto esperavam Rodrigo perguntou, sem rodeios _ Vocês estavam juntos na noite passada?
Caio e Dora se entreolharam em silêncio, sem saber o que, como, e por onde responder. Antes que pudessem falar alguma coisa alguém se aproximou deles.
Rodrigo o observou vindo com receio e sua sobrinha tão linda no colo. Era a sua cara.
Respirou fundo, mantendo-se forte e levantou-se. Apesar da dor que Mel estavam lhe causando, tudo o que precisava era de sua família por perto, Caio, considerado um irmão, Dora, sua irmã e agora Robson, o irmão que há tanto tempo não abraçava.
Ficaram a poucos centímetros um do outro, apenas se olhando emocionados. Pois pela primeira vez Rodrigo abaixou a guarda e deu um passo em sua direção.
Robson não aguentou e abraçou fortemente o irmão. Era um abraço desesperador e necessário, era mais que um  pedido de perdão.
 Há mais de um ano separados pela dor e falta de perdão.Havia chegado o momento de conversarem pela primeira vez e o silêncio tomou conta, pois não foram necessário palavras, a cumplicidade do momento era perfeita para se entenderem. Rodrigo queria apenas estar com seus irmãos e nada além.
           


22 de outubro de 2013

Resenha A profecia de Hedhen

Sinopse - A Profecia de Hedhen - Saga Os Tronos da Luz - Livro 1 - Cristina Aguiar

Os Tronos eram forças que reinavam nos dias antigos com o título de “Luminares”, e através deles, a luz era derramada por todos os povos, espalhando sua sabedoria, justiça e paz. Mas as trevas, infelizmente, começaram a entrar naquele mundo e corromper os corações. Os Tronos foram enfraquecendo, e para manter a esperança eles criaram a Profecia, antes que sua luz fosse apagada de vez. A Profecia falava do retorno dos Tronos em dias futuros, onde este já seria dominado pelas trevas. Os três sinais dos “Luminares” estariam marcados nos corpos daqueles destinados a receber essa luz ancestral e poderosa. Dos três, um deveria assegurar o cumprimento dessa Profecia, sem se importar com as conseqüências; o outro deveria sacrificar a própria vida em troca da vitória; apenas um permaneceria oculto para sua própria segurança, pois em suas mãos repousaria o Cetro de Luz, símbolo dos antigos Tronos. Será que essas três pessoas, portadoras dos poderosos sinais, teriam forças para lutar contra o mal e trazer de volta a sabedoria, justiça e paz dos dias antigos? 

Déborah nasceu no palácio de Salema, onde sua mãe reinava até aquele dia, pois nesse dia sua mãe morreu. Então para salvar a filha e também ao reino, pediu para Hulda, a profetisa, fugir com ela antes que sua cunhada Átalia, que tem o mal em suas veias a achasse.
Hulda imediatamente obedeceu ao último pedido da rainha e foi para longe, na casa de um velho amigo, onde ali o destino a fez achar a menina com o sinal de estrela, sua fiel irmã Jael, desde então. As duas eram destinadas pela profecia. Déborah com a marca da lua e Jael com a da estrela. Ambas eram as Luminares que há tanto tempo o povo esperava. Agora para que a profecia se cumpra e o reino volte a brilhar como antes, é preciso achar o terceiro Luminar, que um dia será o rei.
Desde crianças elas sabem de seu propósito e aprendem a lutar, vivendo num lugar chamado Gades, esquecido por muito, um lugar tranquilo onde a rainha Átalia jamais lembraria.
Depois de anos, agora jovens fortes e guerreiras, se prepararam para a hora de enfrentar o destino que desde que nasceram aguardam. O sinal é dado e ali começa uma aventura, com descobertas incríveis e a força da amizade pura entre as irmãs sempre presentes.
Jael aprende a ser mais paciente. Débora tem a liderança cada vez mais dentro de si e também começa a conhecer mais o grande Pai, criador de todas as coisas.
No meio do caminho Déborah conhece Barack, um homem que não consegue tirar os olhos, e este sente a mesma atração.
Já Jael e Héber com o tempo que passam junto por causa de sua nova função como rainha do povo queneu, acabam se apaixonando.
E isso apenas dá força para elas continuarem adiante com a luta pelo bem, e pela procura da segunda parte da profecia que está selada. E só a guardiã Jael poderá encontrá-la. Quando a acha, trás a profecia selada onde apenas Débora tem o poder para descobrir o que está escrito e quando o faz, seu mundo desaba. Mal acredita naquilo que  seus olhos vêem, ou melhor, nas imagens que vêem repentinamente em sua cabeça.
Será que Déborah conseguirá ter forças para assumir o seu destino, sabendo que só assim a paz reinará em Hedhen? E Jael, continuará ao lado da irmã, mesmo sabendo de todo o sofrimento?
Leia e você irá se surpreender com esse novo mundo.

O que achei

Confesso que no começo não esperava que a história seria tudo isso. Achei que faltava um pouco mais de detalhes principalmente em algumas falas dos personagens, mas isso foi ficando para trás à medida que ia lendo e quando vi estava devorando o livro e os personagens não saiam da minha cabeça.
Posso dizer que a história nos faz pensar, refletir sobre muitas coisas na vida.
A amizade entre Déborah e Jael é linda, pura e sincera.
A autora foi maravilhosa, fez todos os segredos e mistérios se encaixarem perfeitamente, fazendo-me surpreender a medida que ia lendo.
Até o momento em que Déborah finalmente chega ao destino, quase começo a chorar por causa de tudo o que acontece, mas foi só o rei chegar e tudo se transformou.

Um livro fantástico. Cheio de sabedoria e mistério. Super recomendo!

Capítulo 32 - Um Presente Inesperado



Parecia que tudo a sua volta, de alguma maneira, estava se movendo em câmera lenta. Até mesmo os sons do ambiente pareciam um pouco distorcidos, distantes.
Melody respirou profundamente e piscou rapidamente os olhos, procurando se situar.
─ Er... Acho que não entendi. ─ disse desviando o olhar de Luísa para Thaís rapidamente.
Confusão. Essa era a palavra que se destacava nessa manhã turbulenta. Tudo estava acontecendo rápido demais. Em um minuto ela e Dora estavam conversando sobre Rodrigo e a forma exagerada com a qual ele vinha lidando com o fato de ele e Dora serem irmãos ─ fato esse que ainda era desconhecido por Dora ─, e no minuto seguinte Luísa aparece e um clima estranho toma conta da atmosfera. Melody tentava manter os pensamentos coerentes, entretanto, era um tanto impossível. Um lado seu estava feliz em rever a amiga da sua mãe ─ um elo que nem ela mesma sabia que estava precisando resgatar ─ e por essa única razão foi imediatamente atendê-la deixando Dora falando praticamente sozinha. Então, no instante seguinte, ao notar o olhar de Dora na direção de Luísa e constatar que as duas já se conheciam, percebeu a verdadeira situação que se encontrava na sua frente.
Isso é loucura!, disse para si mesma, enquanto tamborilava os dedos impacientemente sobre a mesa.
Para completar, a situação se tornara um pouco incomoda desde que Dora havia saído do café de maneira abrupta e perturbada. E Mel ainda estava chocada tentando digerir o fato de que, a Luísa que estava a sua frente, amiga da sua mãe, e a mulher por quem Caio tinha uma ligação... romântica eram a mesma pessoa. Ela sabia que deveria ter ido atrás de Dora, no entanto, não tinha certeza como realmente reagir diante da situação inusitada em que se metera. Uma batalha de interesses conflitantes havia se formado dentro de si. Ela deveria falar com Dora, sua melhor amiga e confidente, mas também não queria ser rude com Luísa. A vida deveria ser um pouco mais fácil, e as escolhas bem mais evidentes.
Ainda aguardando a resposta de Luísa, Melody se mexeu na cadeira sentindo-se um pouco desconfortável. Bianca estava atendendo alguns clientes e lançou rapidamente um olhar de interrogação para Melody que apenas deu de ombros e voltou a olhar para Luísa, que minutos antes lhe fizera um pedido ao qual Melody não sabia se estendera muito bem.
Após uma rápida troca de olhares com a amiga, que estava sentada ao seu lado, Luísa limpou a garganta e falou:
─ Desculpe, devo estar me expressando de maneira errada. ─ prosseguiu com cautela. ─ Como eu disse, trabalho em uma agência de modelos e sou a responsável pela escolha das modelos para cada campanha. É uma parte um tanto delicada do processo, pois tenho que selecionar a modelo que melhor representa a campanha e principalmente o produto. Enfim... ─ desviou o olhar de Melody e lançou um rápido olhar cúmplice na direção de Thaís, que por alguma razão não parecia partilhar da ideia de Luísa, ela parecia um pouco desconfiada. ─ Você tem um rosto tão expressivo e de beleza clássica, acho que combina exatamente com o perfil que estamos procurando.
Melody piscou os olhos novamente.
─ Eu? ─ indagou descrente, meneando a cabeça. ─ Sinto muito, Luísa. Eu... eu nunca pensei em ser modelo, mesmo que fotográfica. ─ sorriu, nervosa. ─ Talvez até pudesse fazer isso para ajudá-la, mas... ─ deu uma pausa e suspirou. ─ O meu pai jamais concordaria com isso, bem, ele não gosta da ideia de eu me expor, sem dúvida ele ficaria uma fera comigo se descobrisse ─ e ele sempre descobre, concluiu. Prosseguiu. ─ Além disso, o meu irmão também não ficaria nada satisfeito. ─ declarou perguntando-se o que Rodrigo pensaria dessa proposta. Não que ela achasse que ele fosse ciumento e possessivo, e, é claro, a história dos dois não estava definitivamente resolvida, mas tecnicamente estava tudo bem, ele disse que a esperaria e Mel sabia que poderia confiar nele. Então, era inevitável envolvê-lo em qualquer decisão que tivesse que tomar de agora em diante. ─ Desculpe-me!
Luísa colocou as mãos ao redor da xicara de café fumegante e suspirou, ela parecia exausta e preocupada.
─ Ah, claro. ─ sorriu, minimamente. ─ Não quero trazer nenhum problema para você. Não se preocupe, foi uma ideia boba afinal. Acho que só estou um pouco desesperada.
─ Se eu puder ajudar de outra maneira...
─ Certo. ─ alguns minutos se passaram até ela falar novamente, após dar uma rápida olhada no relógio que estava no seu pulso. ─ Já está na minha hora, nos vemos uma outra hora quem sabe. ─ se levantou e estendeu a mão na direção de Melody. ─ Foi um prazer revê-lo Melody...
─ Mel... ─ Melody pigarreou sem graça, ainda mantendo o hábito de corrigir a maneira como muitos pronunciavam o seu nome. Era um tanto inevitável. ─ Pode me chamar apenas de Mel. ─ deixou o peso dos ombros cair.
Luísa não notou o constrangimento de Melody, e voltou a falar:
─ Então, Mel, foi um prazer vê-la novamente, e desculpe o meu pedido sem sentido.
Mel respirou aliviada, porém, foi provisório.
─ Pedido? ─ uma voz firme e com um leve sotaque familiar, questionou.
Ambas, Mel e Luísa, se viraram ao mesmo tempo e encontraram Juliano que as observava com as sobrancelhas franzidas e um sorriso torto. Ele não tinha nenhum problema em demostrar sua discordância em relação a amizade da irmã e de Luísa, ele não confiava muito nela. No entanto, poderia estar apenas sendo ele mesmo, afinal, não confiava em ninguém que chegasse perto de Melody.
─ Ah! Oi, Juliano. ─ Mel falou indo na direção dele. ─ Você se lembra da Luísa?
─ Claro. ─ respondeu, educadamente. ─ Como vai Luísa?
─ Muito bem, e você? ─ sorriu cautelosamente. Luísa sentia que ele não ia muito coma sua cara, mas o cumprimentou de volta mesmo assim. Após a rápida saudação, o silêncio imperou por completo. Olhares eram lançados a esmo, parecia que a manhã de acontecimentos incômodos não iria chegar ao fim.
─ Luísa? ─ uma nova e reconhecida voz surgiu novamente atrás deles, seu tom era de surpresa. Todos se viraram para encarar o novo visitante. Melody sentiu algo que não soube imediatamente como identificar, mas, no momento concluiu que não gostou de vê-lo sorrir para ela, mesmo que um sorriso contido e educado.
─ Rodrigo?! ─ Luísa exclamou, sem graça.
Entretanto, Rodrigo não demorou o seu olhar na mulher a sua frente, ela poderia ter a beleza mais estonteante que fosse, porém, seus olhos só conseguiam se encantar por apenas um sorriso e um olhar em todo o mundo, e nesse momento a dona deles pareciam um pouco confusa, e havia mais alguma coisa que ele não sabia o que poderia ser. Poderia ser... Ciúmes? Talvez.
─ Oi. ─ Rodrigo disse, e todos ficaram em silêncio novamente. Era no mínimo constrangedor.
─ Er... essa é a Thaís. ─ Mel apresentou a amiga de Luísa, quebrando o estranho silêncio. ─ Thais, esses são Rodrigo e Juliano. O Juliano é o meu irmão, e o Rodrigo é... um amigo. ─ mordeu o lábio, sentindo o rosto esquentar e um certo olhar cair firmemente sobre ela. Ótimo!
Rodrigo e Juliano a cumprimentaram calmamente com um “Oi” murmurado.
─ O-Oi! ─ Thaís gaguejou nervosa por se tornar o centro da atenção. Entretanto, seus olhos estavam presos em Juliano. Mel não gostou muito disso também, e rapidamente agarrou o braço dele, que a fitou sem entender absolutamente nada.
Luísa pigarreou.
─ Está ficando tarde. É melhor irmos, não é Thaís?
─ Cl-Claro! ─ gaguejou novamente.
─ Posso saber o que foi aquilo? ─ Juliano perguntou a irmã após Luísa e Thaís terem partido, há alguns minutos.
─ Não sei do que você está falando. ─ Mel deu de ombros, inocentemente, seguindo em direção do balcão. Rodrigo e Juliano a seguiram e sentaram de frente para ela, e tentando não encostarem um no outro. Já fora bastante coincidência chegarem ao mesmo tempo no café, e depois daquela partida de futebol fatídica chegaram a conclusão de que quanto mais espaço houvesse entre os dois, mais seguro.  Mel prosseguiu com o que estava fazendo, no entanto, o olhar interrogativo e constante de Juliano a fizeram falar. ─ Ok! ─ exclamou impaciente. ─ Não sei bem, só não gostei do jeito que ela estava olhando para você. ─ confessou. Juliano sorriu e revirou os olhos.
─ Afinal o que a Luísa estava fazendo aqui? ─ Rodrigo indagou. ─ Eu não sabia que se conheciam.
─ É uma tremenda coincidência. ─ Mel falou naturalmente. ─ Ela e a minha mãe se conheciam.  ─ voltou os olhos diretamente e fixamente para ele. ─ Também não sabia que se conheciam. ─ cerrou os olhos e o esperou a resposta.
─ Meu caro, acho que você está encrencado. ─ Juliano disse se divertindo com um sorriso que ia de orelha a orelha, fingindo prestar atenção no cardápio.
Rodrigo o ignorou.
─ Eu não a conheço... realmente. ─ falou calmamente como se estivesse escolhendo bem as palavras. E sorria internamente. Melody ficava particularmente encantadora quando estava com ciúmes, mesmo que nem ela mesma soubesse que era exatamente isso o quê estava sentindo. ─ Só a vi conversando com o Caio algumas vezes. ─ explicou.
Melody sorriu.
Juliano deixou o sorriso de antes, morrer. Será que esse grande idiota é tão perfeito assim? Qual é? Questionou-se. Que cara chato! Como em resposta a sua pergunta, Rodrigo sorriu vitorioso. Rá! Exclamou internamente.
─ Então, que pedido ela veio fazer? ─ Juliano perguntou, escondendo o mal humor.
─ Nada demais. ─ respondeu simplesmente esperando convencê-lo, no entanto o modo como ele ainda a encara a fez falar sobre a proposta de emprego inesperada.
─ De jeito nenhum! ─ Juliano berrou após alguns instantes. ─ É claro que eu não vou...
─ Ei, não precisa ter um ataque. ─ Melody o interrompeu. ─ Eu não aceitei.
─ Ainda bem. ─ Rodrigo murmurou. Melody e Juliano o olharam com questionamento. ─ Quer dizer, eu não gosto muito dela, sei lá. Caio... Dora... Tudo complicado. ─ Justificou-se.
─ A Dora estava aqui quando a Luísa chegou. ─ Melody comentou.
─ E como ela reagiu?
─ Acho que bem. ─ mentiu. Não queria que Rodrigo agisse como um Juliano durão e saísse por aí ameaçando o pobre do Caio. E Dora com certeza também não ficaria feliz, afinal de contas, eles resolveram esquecer o tal beijo e seguiram como amigos... Certo?
─ Não estou entendendo. ─ Juliano disse, franzindo o cenho. ─ O que a Dora te a ver com a Luísa?
─ O Caio e a Luísa têm uma... história. ─ Rodrigo respondeu a contragosto. Essa história ainda não lhe agradava. ─ O Caio é um idiota.
─ Não acho que você deveria estar tão chateado com o Caio, afinal estava na cara que esse beijo aconteceria inevitavelmente. ─ Mel falou em defesa de Caio.
─ Não o defenda. Estamos apaixonados e não saímos por aí nos beijando. ─ Infelizmente! Pensou, lançando um olhar de soslaio para Juliano.
─ Fico muito feliz em saber disso. ─ Juliano falou seriamente. ─ Mas, nós aqui sabemos que o único motivo disso não acontecer sou eu.  ─ declarou. ─ Eu posso frustrar os planos de qualquer um, certo? ─ ironizou.
─ Não enche! ─ Rodrigo retrucou.
─ Eu sei que não tenha nada a ver com isso, mas... ─ Juliano começou tranquilamente sem nenhum indicio de implicância na voz. Deu uma rápida olhada na expressão da irmã e prosseguiu. ─ Quando vai contar para Dora que vocês são irmãos?
─ Não tenho certeza. ─ Rodrigo respondeu apenas. ─ O que foi? ─ perguntou ao ver o vinco na testa de Melody.
─ A Dora... ─ fez uma pausa. ─ Ela está começando a achar esse seu comportamento protetor um pouco estranho. E de certa forma é, já que ela não sabe quem você realmente é. ─ endireitou os ombros e prosseguiu. ─ Além disso, ela meio que está confundindo essa atenção toda com outra coisa.
─ Outra coisa? ─ questionou sem entender. Melody arqueou uma sobrancelha e cruzou os braços. Olhando dele para Juliano e vice-versa. ─ Ah! Sério?! ─ exclamou surpreso ao entender do que ela estava falando. ─ Eu não imaginei que isso pudesse acontecer.
─ É claro que não. Você é um idiota. ─ declarou Juliano. ─ E um péssimo irmão por estar mentindo... ou omitindo uma informação tão importante.
─ Isso não é da sua conta. ─ Rodrigo falou irritado. Juliano sempre conseguia tirá-lo do sério. ─ Por que não para de se meter onde não deve? Eu agradeceria muito se ficasse fora dessa história, e bem longe da minha irmã.
─ Sei. ─ O italiano sorriu, maroto. ─ Mas veja bem, isso é impossível já que moramos no mesmo apartamento. Além disso, ela me adora. ─ constatou fazendo Rodrigo fuzilá-lo com os olhos. Prosseguiu, ignorando o olhar ameaçador do “cunhado”, ele até estava começando a criar gosto pela coisa. Irritar Rodrigo era um passatempo muito divertido. ─ Eu não vou ficar longe dessa história porque me preocupo com a Dora, ela é uma garota sensível, porém possui uma força que nem ela mesma conhece, ou talvez esteja começando a conhecer, e se quer a minha opinião conta logo a verdade para a garota. A Dora merece saber que não está sozinha, ela tem direito a um pouco de paz afinal.
Rodrigo ficou em silêncio. Não tinha como argumentar contra isso, mas também não sabia como contar para Dora que eles eram irmãos, era uma situação complicada. E ainda por cima tinha o seu irmão. Como será que ele irá reagir quando ficar sabendo? Tudo bem que, Rodrigo e Robson sabiam que o pai não era nenhum santo, no entanto, não esperava por isso.  O pai ter tido uma filha fora do casamento não era o real problema, para Rodrigo, pelo menos, mas sim as consequências do que viria a seguir. Rodrigo estava quase certo que Dora não iria aceitar tudo muito bem, talvez nem o fato de eles terem uma ligação especial e fraternal ajudasse quando chegasse a hora. Esse drama todo o estava deixando preocupado e estressado, além disso, não ajudava muito o irmão da sua quase namorada estar infernizando a vida dele. Isso não era justo!
Enquanto Rodrigo ponderava sobre os seus problemas, seu algoz ainda falava incessantemente. Saco! Suspirou.
─ Ah, eu também gostaria muito que você ficasse o mais distante possível da minha irmã. Entretanto, por uma razão totalmente desconhecida por mim, ela gosta de você. É irritante, mas não tenho o que fazer para mudar isso. ─ afirmou por fim.
─ Até que enfim você entendeu. ─ zombou Rodrigo.
─ Não se sinta vitorioso. Eu ainda não gosto de você.
Melody os encaravam, pasma. Sua cabeça era lançada de um lado para o outro como em um jogo de pingue-pongue ridículo e interminável. E era completamente inútil tentar chamar a atenção de ambos.
─ Ótimo, porque não é você quem tem que gostar mesmo. ─ retrucou com impaciência.
─ Olha só...
─ Chega! ─ Mel interveio de forma autoritária. ─ Vocês querem parar de falar como se eu não estivesse presente. É ridículo!
─ Foi o seu irmão quem começou. ─ defendeu-se Rodrigo.
─ Na verdade eu já existia na vida dela bem antes de você resolver aparecer e se apaixonar por ela. Então, tecnicamente, foi você quem estragou tudo.  ─ replicou Juliano.
─ Eu não estou disputando a atenção da Mel com você. Pelo amor de Deus, isso é completamente ridículo. ─ Rodrigo exasperou-se, entendendo pela primeira vez qual era o real problema de Juliano. Ele tinha medo de perder a irmã. Tudo bem, mas, agir como repelente contra ele era inteiramente... doentio.
─ Tem toda a razão, você é ridículo. ─ provocou, agora não havia diversão nenhuma no seu tom de voz.
─ Parem com isso, agora! ─ Mel os interrompeu novamente com as mãos na cintura. ─ Vocês dois... Francamente! Falem comigo quando decidirem agir como adultos. ─ disse severamente e saiu na direção da cozinha.
─ Mel... ─ Juliano tentou impedir, mas fora inútil. ─ Viu só o que você fez?
─ Eu? ─ repetiu com descrença. ─ O irmão chato aqui é você.
─ Pelo o quê eu andei observando, você também tem agido um pouco parecido com a Dora. ─ Juliano afirmou, o que fez Rodrigo bufar em resposta. Já era a segunda vez que Melody os deixava falando sozinhos... ou discutindo, na verdade isso era uma questão de ponto de vista. Não se tratava de uma simples discussão, estava mais para uma divergência, uma grande e inacabável divergência de ideias. Ficaram um pouco em silêncio até Juliano falar novamente. ─ Quer saber, acho que você está completamente certo com relação a isso, digo esse cuidado com a Dora. Eu gosto do Caio, ele é um cara legal, mas não quero que ele seja mais que um amigo para a sua irmã. Como já falei antes, eu realmente gosto dela, mas não do jeito que você está pensando, só para esclarecer. ─ acrescentou rapidamente. Após um longo suspiro, prosseguiu. ─ Eu não deveria ter falado daquele jeito sobre você contar a verdade para a Dora, afinal, você deve saber o que está fazendo. Desculpe-me.
Rodrigo o encarou com descrença. Eu ouvi bem? O todo poderoso chefão acabou de me pedir desculpas? Isso irá entrar para a história, sem dúvida.  Concluiu, tentando escondeu o sorriso, falou apenas:
─ Tudo bem. ─ olhou em volta e observou enquanto Melody atendia uma mesa, evitando olhar na direção dos dois bobões que não faziam outra coisa ultimamente a não ser discutir. ─ Ela está muito irritada, não é?
─ Bastante, eu diria.
─ Temos que dar um jeito nessa situação. ─ propôs Rodrigo, decidido.
─ Eu bem que estou tentando. ─ Juliano respondeu sem olhar para ele. ─ Entretanto, não é fácil fingir que gosto de alguém que está tentando roubar a minha irmã.
─ Eu não estou tentando roubar a Mel.
─ É. Eu sei ─ concordou, dando de ombros. Ele sabia que estava sendo um pouco irracional afinal.
─ Será que não podemos dar uma trégua? Pela Mel? ─ Rodrigo sugeriu pacificamente.
─ Não tenho muita alternativa. ─ se virou e encarou Rodrigo com uma expressão mais relaxada, e estendeu a mão na direção dele, em um gesto de paz. ─ Trégua então. ─ disse tranquilamente. No entanto, inesperadamente, puxou Rodrigo e falou em tom seco, porém com o mesmo sorriso cínico de sempre. ─ Mas não pense nem por um segundo que abaixarei a guarda, e vou continuar de olho em você e a qualquer deslize seu.
Rodrigo revirou os olhos, ignorando a ameaça.
─ Claro.
Permaneceram em silêncio por alguns minutos, até Juliano declarar que tinha uma ótima ideia para colocar a trégua em prática. Entretanto, até mesmo nesse momento que deveria ser de paz e sossego eles conseguiam discutir feito duas crianças. Por fim, entrando em um consenso, resolveram por o plano em ação assim que viram Melody seguindo na direção deles.
─ Isso não vai funcionar. ─ Rodrigo avisou.
─ Podemos apenas fingir. ─ retrucou Juliano impaciente. ─ Acha que pode fazer isso?
─ Seria como mentir.
─ E daí?
─ Eu não vou mentir para a sua irmã, você deveria ser o primeiro a concordar comigo. ─ alertou.
Juliano pareceu pensar por um segundo e falou:
─ Olha só, não é mentira se ela não souber, ok? Será apenas uma omissão dos fatos verdadeiros. ─ explicou calmamente, ficando em silêncio logo em seguida, pois Melody acabara de voltar para o balcão de pedidos.
─ Vocês ainda estão aqui. ─ comentou apenas. Juliano e Rodrigo perceberam que ela parecia bem mais calma. ─ Vão pedir alguma coisa, ou só estão ocupando espaço mesmo? ─ perguntou com o seu ar profissional.
Juliano abriu um longo sorriso e falou:
─ Queremos você!
Melody levantou uma sobrancelha, em ceticismo.
─ Hã?!
─ O que acha de sairmos para jantar hoje à noite? ─ Juliano propôs entusiasmado. ─ Eu pago.
Mel franziu a testa e lançou um olhar rápido na direção de Rodrigo. Estranho! Ele também estava sorrindo.
─ Er... ─ tentou encontrar uma explicação lógica para o comportamento dos dois, mas não encontrou nenhum. ─ Humm... Nós três? ─ perguntou com hesitação.
─ É. ─ Rodrigo falou, sua voz estava naturalmente calma. Mel não sabia o que era pior, eles discutindo ou concordando dessa maneira bizarra e inesperada. ─ Qual o problema?
─ Vocês são se suportam. ─ declarou cruzando os braços seriamente. ─ Até alguns minutos atrás estavam discutindo.
─ Não é discussão, é divergência de ideias. ─ Juliano contrapôs, sem deixar de sorrir.
─ Que seja. ─ disse gesticulando com as mãos. ─ Tudo bem, qual é o plano?
Juliano colocou a mão sobre o coração de forma teatral.
─ Nossa, Melody, assim você me magoa. Não confia no sei irmão?
Ela estreitou os olhos.
─ Eu conheço bem vocês dois. ─ suspirou pesadamente. ─ Não precisam fingir que estão se dando bem apenas para me agradar.
─ Não estamos fingindo. ─ Juliano argumentou. ─ Não nos odiando, mas também não nos amamos. ─ Nos aturamos é a palavra chave. Pensou com um sorriso sincero e piscou rapidamente os olhos tentando passar um ar angelical inocente para Melody, que, definitivamente, gargalhou um pouco com a cena.
─ Estamos apenas encontrando um meio termo, afinal, compartilhamos um interesse em comum. ─ Rodrigo acrescentou, não acreditando que estivesse fingindo estar se dando bem com o sem-noção do Juliano só para agradar a Melody. Se ela descobrisse que era uma farsa ficaria muito, mais muito chateada mesmo.
─ Compartilhamos? ─ Juliano perguntou arqueando uma sobrancelha.
─ Compartilham? ─ Melody também indagou.
Rodrigo sorriu torto, fazendo o coração de Melody disparar gradativamente.
─ Queremos ver você feliz. ─ declarou por fim. Melody sorriu, e foi impossível conter o suspiro de admiração.
Juliano se controlou para não colocar o plano “Fingindo-se-dar-bem-com-o-pretendende-da-sua-irmã-enquanto-bola-uma-maneira-de-fazê-la-ver-que-ele-não-é-esse-príncipe-encantado-todo.” No entanto, era um pouco difícil. Tudo bem! É definitivo, eu odeio esse cara! Com toda a certeza, odeio!  Pensou internamente.
─ Certo... Aonde vamos? ─ Melody perguntou animada.
─ É uma surpresa. ─ Juliano respondeu apenas.
─ Quanto mistério. ─ sorriu para os dois. ─ Obrigada por estarem fazendo isso. É muito importante para mim.

≈ • ≈ • ≈ • ≈

Tem alguma coisa errada nessa história toda. Ou pelo menos, estranha. Melody pensou enquanto saia do chuveiro. Decidiu que teria uma conversa definitiva com Juliano sobre o seu mau comportamento para com Rodrigo. Tudo bem que eles não estavam discutindo, ou querendo matar um ao outro, no entanto, algo lhe dizia que essa situação toda tinha alguma coisa que não batia.
Agora, algumas horas depois do estranho convite, sentindo-se bem mais relaxada e pronta para ter uma conversa definitiva com o seu irmão cabeça-dura e que estava se mostrando mais ciumento que de costume, Melody saiu do banheiro secando o cabelo tranquilamente quando algo chamou a sua atenção. Caminhou até a mesinha de cabeceira e segurou a caixinha de música em suas mãos e novamente, pela milésima, correu os dedos sobre a superfície entralhada maravilhada com a delicadeza e riqueza de detalhes das pequenas flores que a ornamentavam, que ela, até então, não notara ser lindos Lírios, seu tipo de flor favorita. Sorriu e abriu a tapa da caixinha deixando o som suavemente tomar conta do ambiente, e prosseguiu com o trabalho de secar o cabelo, ao terminar, trocou de roupas e foi novamente em direção da caixinha, fechando-a.
No entanto, nesse momento acabou assustando-se quando seu celular começou a tocar repentinamente, fazendo-a soltar a caixinha no chão com estardalhaço. O mais rápida possível se agachou para verificar o estrago que havia causado ao o objeto. Respirou aliviada ao perceber que nenhum dano fora sofrido pela caixinha de música, porém, quando estava prestes a levantar, notou que algo estava diferente, virou a caixinha e viu que a mesma expunha uma pequena abertura, uma gaveta que para ela era totalmente desconhecida até o momento. Com cuidado, abriu a gaveta sem esperar encontrar nenhuma novidade, porém, fitou com as sobrancelhas franzidas o seu conteúdo.
Dentro da gaveta, havia um pequeno envelope. Mel o pegou e ficou momentaneamente confusa ao ver o nome que estava escrito no seu verso: Melody.
Os segundos se passavam e ela apenas permanecia imóvel, impassível, diante do seu próprio nome escrito por letras que ela reconhecia, mas era impossível que pertencesse a quem ela achava que pertencia.
Balançou a cabeça incrédula. Por um momento, tudo parecia de alguma forma, errado. Fora do lugar.
─ Não pode ser! ─ murmurou sem conseguir tirar os olhos do envelope.
Talvez estivesse enganada. Alguém pode tê-lo colocado dentro da caixinha sem que ela percebesse. Juliano, ou Rodrigo, talvez? Impossível! Mas... Ela conhecia aquela caligrafia perfeitamente bem, não havia como se confundir quanto a isso. O seu celular voltou tocar. Melody o ignorou, e finalmente decidiu abrir o envelope. Prendeu a respiração quando uma correntinha com um pingente caiu em sua mão, junto com um bilhete. Então, de uma forma completamente viva e incompreensível, o mundo parecia estar caminhando em câmera lenta, sua respiração ficou acelerado, seu coração disparado. Melody estava com a impressão de que sufocaria a qualquer minuto.
Lágrimas percorriam sua face e, novamente, a caixinha voltou ao chão. Talvez tudo fosse apenas a sua imaginação. No entanto, parou um pouco para lembrar exatamente a expressão no roto de Rafael quando se conheceram: fora um misto de surpresa e reconhecimento, que na época Melody não avia notado de imediato. Mas agora, sentia que algo estava tortuoso. Também recordou o fato de ele saber que ela tocava violino. Dentre todos os instrumentos do mundo, ele tinha certeza de que o instrumento dela era o violino. Não foi um palpite.  Aquilo não foi tão estranho quando aconteceu, mas agora era algo a se pensar.
Melody balançou a cabeça achando tudo muito confuso, tentou encontrar uma explicação um pouco mais simples e que fizesse mais sentindo. Qualquer um que parasse para pesquisar um pouco sobre Melody Angnel na internet encontraria mais do que ela gostaria. Sua família era muito respeitada e conhecida na Itália, sempre saiam notícias sobre eles nos noticiários.
Mas, se fosse isso, o que aquela letra significava? Talvez não gostasse da resposta. E por esse motivo ainda não havia lido o conteúdo da pequena carta.
Pressionou a correntinha levemente na palma da mão, respirou fundo expulsando a sensação de letargia e as lágrimas que ameaçavam aparecer, e foi até a pessoa que poderia explicar de uma vez por todas o que estava acontecendo.
Chegou a luteria em tempo recorde. Sua cabeça estava tão embaralhada que não percebeu nada a sua volta. Não se importava nem um pouco por ter saído sem avisar, muito menos com a chuva que caia incessantemente a encharcando completamente. Sem bater, entrou na loja de Rafael o encontrando concentrado lendo alguma coisa no balcão. Caminhou até lá e sem aviso, colocou a caixinha e a correntinha na frente dele.
─ O que significa isto? ─ indagou com a voz rouca, dos seus cabelos caiam gotas e mais gotas de água sobre o chão. E somente agora que estava dentro de um ambiente protegido que percebeu o quanto estava tremendo. Só não tinha certeza se era pelo frio, ou de pavor pelo que viria a seguir.
Ele ergueu os olhos.
─ Então você o encontrou. ─ foi a sua única resposta.
Um novo trovão soou de forma ensurdecedora do lado de fora da luteria, quebrando o silêncio e fazendo-a sobressalta-se assustada, segundos depois um clarão tomou conta do espaço a sua volta.
Ouviu o seu celular tocar novamente, olhou atentamente para o visor: Juliano. Suspirou mordendo o lábio, pois já era a terceira vez que ele ligava, ela apenas o ignorou mais uma vez. Falaria com ele depois, quando finalmente entendesse a situação.
Neste momento, ela e Rafael estavam no andar de cima da luteria. Puxando firmemente as bordas do cobertor para si, evitando o frio, deu uma rápida olhada ao seu redor, o local era organizado e possuía alguns moveis; um fogão, uma cama de solteiro, uma poltrona e duas cadeiras em estilo clássico. Talvez ele costumasse passar muito tempo aqui depois do expediente, analisou pensativa.
Melody permaneceu em pé, paralisada, olhando para Rafael sem compreender o que estava acontecendo. Logo após entrar na luteria, completamente encharcada e confusa, ele lhe ofereceu um cobertor ─ já que ela tremia incontrolavelmente ─, mas não respondeu a sua pergunta, não como ela esperava. Por algum motivo ele estava relutante. As lágrimas que caíram assim que reconheceu a caligrafia escrita no pequeno envelope, haviam cessado. O que a deixava pensativa e com inúmeras indagações flutuando em sua cabeça não era a correntinha nem o envelope em si, muito menos a caixinha e o motivo pelo qual ele a entregara para ela, mas sim a caligrafia, pois a reconhecia perfeitamente: era da sua mãe.
Os minutos se arrastavam e ela ainda esperava por uma resposta coerente para a sua indagação simples.
─ Sente-se! ─ ele disse indicando uma cadeira, mesmo hesitante, ela obedeceu. Logo depois, Rafael depositou uma xícara de chá nas mãos dela, arrastou uma cadeira e sentou-se de frente para ela, também com uma xícara em mãos, franziu a testa e a observou por alguns segundos, pigarreou, respirou fundo e falou, tranquilamente. ─ Não deveria ter saído numa chuva dessas, poderia pegar um resfriado. ─ advertiu sinceramente com um sorriso mínimo.
No entanto Melody ignorou os seus cuidados, apenas segurou a xícara que fumegava sem dar atenção ao conteúdo. A tranquilidade com a qual ele se dirigia a ela e seu tom de voz contido ─ que antes Melody admirava ─ neste pequeno momento interminável a estava deixando impaciente.
─ Eu quero respostas. ─ falou firmemente sem rodeios. ─ Como essa caixinha veio parar com você? Por que minha a mãe a entregaria a você e não a mim? Você a conhecia? ─ indagou, sua respiração estava ficando pesada e seus olhos marejados novamente. Engoliu em seco, sem desviar o olhar nenhum momento do dele. ─ Responda! ─ ordenou.
Ele bebericou um pouco do chá.
─ A caixinha... ─ começou a falar. ─ fui eu quem a fiz. ─ declarou, pousando a xícara no pires. ─ Sua mãe, Marissa, disse que tinha que ser exatamente como você gostaria que fosse, cada pequeno detalhe. ─ pegou a caixinha e a observou. ─ Ela disse que Lírios eram as suas flores preferidas. ─ sorriu. ─ Ela não soube explicar muito bem o porquê, só que você gostava da forma como elas balançavam ao vento. Achei interessante a descrição, por isso as entalhei como se elas estivessem em movimento. ─ enquanto falava, corria o polegar contornado o entalhe das flores. ─ E essa... ─ abriu a caixinha e girou a chave, dando corda, deixando a música ressoando no ambiente. ─ era canção que ela costumava tocar para você. ─ suspirou. ─ Ela queria que fosse o presente perfeito! ─ declarou por fim, distraído.
Mel piscou os olhos e franziu os lábios.
─ Então você conhecia a minha... mãe. ─ balbuciou.
Ele assentiu.
─ E a você também. ─ completou.
Ela meneou a cabeça, em dúvida.
─ Mas, como? ─ sentiu a garganta seca. ─ Quero dizer, eu não me lembro de você. ─ disse. ─ Como conheceu a minha mãe? ─ perguntou, estava intrigada.
Ele sorriu e, por um momento, como acontecia algumas vezes, ela pareceu reconhecer esse sorriso de algum lugar. Suspirou, talvez estivesse prestes a descobrir.
─ Você era muito pequena para lembrar, mas sua mãe sempre a trazia aqui. Acho que você tinha uns cinco anos na época, depois sua mãe deixou de vir até aqui. ─ fez uma pausa. ─ A saúde dela já estava... delicada. ─ comentou e a olhou com um olhar diferente, Mel sentiu o coração palpitar. ─ Eu era a única família que estava por perto, e em quem ela podia confiar.
Mel arregalou os olhos, estática. Aquilo, sim, foi uma surpresa inesperada.
─ Família? ─ repetiu, estreitando os olhos. ─ Como assim, família? Pensei que todos os parentes da minha mãe fossem do Rio de Janeiro. Além disso, o Caio me disse que você é de Cuba. ─ informou enquanto analisava atentamente cada detalhe do rosto dele, não tinha nada a ver com os traços da sua mãe, ou os seus. Isso estava ficando cada vez mais confuso.
A expressão no rosto dele mudou, ficou um pouco triste.
─ É, eu sou cubano. ─ afirmou depois de mais um gole no chá, limpou a garganta e prosseguiu. ─ Alguns anos após chegar ao Brasil, conheci alguém muito especial, nos apaixonamos e casamos pouco tempo depois. ─ explicou. Era impressão sua ou ele corou?, Melody notou reprimindo um sorriso. Recompondo-se, ele continuou. ─ Minha esposa, que Deus a tenha, era irmã da sua avó. ─ revelou, e retirou uma pequena fotografia da sua carteira entregando a Melody, que a pegou em seguida.
A mulher que estava na foto tinha a aparência de um querubim, com um rosto de traços delicados, sorriso tímido e sincero, um olhar cativante, um pouco sonhador. Ela deveria ter uns vintes anos ou um pouco mais na época em que a foto fora tirada. Mel notou que estava sorrindo, mas era impossível não sorrir.
─ Ela era linda! ─ exclamou com admiração.
Ele sorriu.
─ Sim, ela era. ─ concordou recebendo a foto que Mel devolvia, olhou-a por um instante antes de guardá-la novamente na carteira. ─ Ela morreu pouco antes da sua mãe se mudar para cá, elas eram muito ligadas, sua mãe e minha Sophia. ─ parou e respirou fundo. ─ Você sabe por que a sua mãe veio para cá, não sabe? ─ Melody negou com a cabeça, mas lembrando a maneira como os seus avós se comportaram no cemitério, ela tinha uma ligeira suspeita. ─ Seus avós a expulsaram de casa quando descobriram que ela estava grávida e Marissa se recusava a dizer quem era o pai, e também se negou a procurá-lo. ─ Rafael falava com o máximo de cuidado que podia, escolhendo bem as palavras para não magoá-la, pois sabia que a história era um pouco complicada e tensa. ─ Marissa era a filha perfeita, talentosa, gentil, doce... o tipo de pessoa com um futuro brilhante pela frente, ela podia fazer qualquer coisa que quisesse. ─ suspirou e olhou para Melody, mas ela não queria encará-lo e olhava para o chão. ─ Os pais queriam o melhor para ela, ou o que achavam ser melhor.
Melody sorriu de forma sarcástica limpando algumas lágrimas que caiam.
─ E eles não queriam que eu nascesse. ─ ela falou afirmativamente voltando a olhar para ele. ─ Sei que é isso que está querendo dizer e não tem coragem. ─ alegou.
Rafael acenou, concordando com tristeza.
─ Sua mãe pertencia a uma família tradicional, costumes regras. ─ meneou a cabeça. ─ Ela não se importou com nada disso, nem com a ameaça dos pais em deserdá-la. ─ ele estendeu a mão direita para ela, hesitante, Melody aceitou o gesto e ele apertou sua mão, que tremia um pouco. ─ Marissa a queria mais que qualquer coisa, Melody. Ela a amava muito, amou desde o momento que soube da sua existência.
─ Eu sei. ─ sorriu agradecida, com a mão esquerda Rafael retirou delicadamente as lágrimas que ainda caiam.
É difícil aceitar que você teve o amor de alguém tão especial e que, sem nenhuma alternativa, teve que deixar esse alguém ir embora, pensou triste. Ela nunca teve raiva de Deus por isso, sabia que tudo na vida acontece por algum motivo, alguma razão que nem sempre compreendemos, mas temos que aceitá-la.
A voz de Rafael trouxe Melody de volta dos seus devaneios.
─ Quando sua mãe apareceu tentei persuadi-la a entrar em contato com o seu pai, afinal, ela era tão jovem para cuidar de uma criança sozinha, mas ela disse que você era somente dela. ─ prosseguiu. ─ Então apenas dei apoio e a recebi de braços abertos, ela ficou comigo até você nascer depois afirmou que poderia cuidar de você sozinha e que precisava de um lugar só para vocês, por isso ela se mudou.
─ Eu não entendo. ─ Melody fungou. ─ Por que não me disse quem era simplesmente? ─ perguntou um pouco magoada. ─ Para que esse mistério todo?
─ Não era mistério. ─ replicou com um sorriso. ─ Só não sabia como falar com você sobre isso. No dia em que a vi entrando na loja fiquei praticamente petrificado, não esperava vê-la novamente. Você cresceu e virou uma mulher linda. ─ comentou. ─ Não a reconheci imediatamente, mas bastou apenas prestar um pouco mais de atenção... você se parece muito com a sua mãe, principalmente os olhos. ─ afirmou, Melody abriu um largo sorriso. ─ Eu esperava que você se lembrasse de mim, mas como isso não aconteceu... achei que seria melhor assim. Lembranças, algumas vezes mesmo que boas, podem trazer alguma dor junto com elas.
Houve um longo silêncio em seguida.
─ Você não tomou o seu chá. ─ ele observou, franzindo a testa.
Ela deu ombros.
─ Acho que me distrai. ─ disse comprimindo os lábios, como se estivesse pedindo desculpas.
Rafael balançou a cabeça e deu uma pequena risada, logo em seguida se levantou e pegou a xícara da mão dela alegando que o chá já estava frio e foi em direção ao fogão preparar outro. Melody respirou fundo e, pela primeira vez desde que adentrara na luteria nesta noite maluca, sentia-se aliviada. Analisou o senhor a sua frente e esboçou um sorriso, estava feliz por ele, de alguma forma, fazer parte da sua família, uma família que ela nunca teve a oportunidade de conhecer a fundo.
Desviou o olhar para a sua caixinha de música e reparou no envelope que estava repousando ao lado dela. Mordeu o lábio inferior, ergueu a mão para pegá-lo e durante alguns segundos, que mais pareceram uma eternidade interminável, apenas o encarou, queria saber o que estava escrito, mas não sabia se estava preparada, pois, de certa forma aquele envelope misterioso continha as últimas palavras da sua mãe, direcionadas diretamente para ela.
 É claro que estou!, afirmou para si mesma. Afinal era para ser o meu presente de aniversário de nove anos, estou alguns anos atrasada e preciso abri-lo.
Tomando uma decisão definitiva, finalmente abriu o pequeno envelope e com a respiração presa, calmamente, leu o seu conteúdo.

Querida Melody,
Os sonhos que você sonhou realmente se realizam.
Você se lembra dessa frase? É claro que lembra, é da sua canção favorita. E você é o meu sonho realizado, eu te amo muito, e sei que você sabe o quanto é importante para mim, querida. Por isso quis que o seu presente de aniversário fosse perfeito, assim como esse sorriso lindo que você tem e que ilumina todos os meus dias. Essa caixinha de música, com a nossa música, é um símbolo, um pequeno símbolo do meu amor e devoção a você, e de que sempre estarei ao seu lado, meu amor, não importa o que aconteça. Nunca esqueça que você sempre será minha pequena melodia, meu anjinho de luz. E lembre-se, sempre que sentir a minha falta abra-a e estarei presente.
Feliz aniversário!
Com amor,
Mamãe.

Terminou de ler a carta da sua mãe, e mesmo chorando sorriu.
─ Mamãe... ─ suspirou fechando os olhos e pondo a folha de papel sobre o coração. ─ sinto sua falta.
Durante alguns minutos ficou presa em todas as boas recordações que tinha dela e da mãe juntas, mas, dessa vez, não se sentia triste e esquecida, por algum motivo, a saudade não estava machucando, ainda doía, é claro que sim, no entanto, a dor era diferente, suportável, talvez fosse um preço a pagar pelas suas lembranças felizes, ou talvez, só talvez, apenas precisasse aceitar que estava amadurecendo.
Balançou a cabeça tentando colocar as ideias no lugar, tanta coisa havia acontecido em uma noite que deveria ser simples e agradável... Parou e lembrou-se de algo importante.
Droga! O jantar com Rodrigo e Juliano. Como pude esquecer? Bem isso teria que ficar para depois, eles entenderiam que ela não teve escolha, concluiu.
Olhou para o seu relógio, estava ficando tarde e a chuva continuava caindo lá fora, precisava avisar onde estava. Tateou dentro da bolsa, a procura do seu celular, o encontrou, porém o mesmo estava desligado, ela pressionou o botão e tentou religá-lo, mas fora inútil. Ótimo, teve que acabar a bateria logo agora?! Olhou para os lados, em busca de um telefone, e de repente seus olhos foram atraídos para o criado-mudo que ela não notara até então, estava num canto de parede, um pouco distante da cama. Caminhou até lá e notou que havia alguns porta-retratos sobre ele; um com a foto dele e da esposa, outro com uma família reunida, seus filhos e netos, ela concluiu. E logo ali, quase escondido entre eles, para a sua surpresa, havia outro com uma foto da sua mãe e ela ainda bebê, sorriu e percebeu que existia outro por trás deste. Pegou o objeto e o fitou demoradamente, as surpresas nunca acabavam, era uma foto sua tocando violino, se estivesse certa, se lembrava exatamente onde aquela foto fora tirada: na orquestra de Roma, a primeira vez em que se apresentou em público. Suspirou lembrando algumas coisas que aconteceram naquela noite em questão, ela estava radiante, feliz em poder fazer algo que gostava, mas Fernando, seu pai, não parecia tão feliz assim, seu rosto exibia um misto de descontentamento, tristeza, e um pouco, mas só um pouco, de encorajamento. Ela nunca esquecera o quanto aquilo a machucou. Decepções fazem as pessoas mudarem radicalmente, para melhor ou para o pior: você escolhe.
Virou-se e ergueu o porta-retratos.
─ Então foi assim que descobriu que eu tocava violino? ─ perguntou vendo que ele vinha em sua direção com o chá.
─ Tenho acompanhado a sua carreira a distância. ─ justificou-se, envergonhado. Entregou uma nova xícara de chá, agora quente.
─ Bem, eu não chamaria de carreira. ─ contrapôs e sorriu levando a xícara aos lábios, seu corpo agradeceu por receber um pouco de calor. ─ Está mais para um hobbie. ─ mentiu, e calou-se em seguida, não era algo que gostasse muito de discutir. Rafael franziu as sobrancelhas, sem entender, mas não tocou mais no assunto, e ela agradeceu mentalmente por isso. Tomando um pouco de chá, Mel percebeu que havia esquecido a correntinha, a segurou e olhou para o pingente em forma de coração.
─ Não vai abrir? ─ ele perguntou.
Ela o encarou sem saber sobre o que ele estava falando e olhou novamente para o pingente, descobriu que possuía um compartimento para uma foto, com delicadeza, ela o abriu.
Piscou, sorrindo.
─ Eu me lembro dessa foto. Foi no nosso último piquenique. ─ ela informou emocionada sem tirar os olhos da foto. Lembrava-se perfeitamente bem, na verdade. Havia sido em um dormindo, o dia em que sempre faziam um piquenique, e escolhiam sempre o mesmo lugar; um ipê-amarelo que ficava perto de um lago no parque. Marissa nunca a deixava chegar perto o bastante do lago, mas Melody adorava o lugar, principalmente quando podia ver as flores dançando com o vento. Era como sentir os versos de um poema clássico, ou as notas de uma canção rara, sua mãe dizia. A foto fora tirada exatamente no momento em que o vento batia e as flores caiam levemente da árvore.
Sua garganta apertou, engoliu se desfazendo do nó desconfortável, e suspirou deixando uma lágrima cair pelo seu rosto. Melody tinha uma cópia dela na Itália, e costumava dormir todas as noites olhando para o sorriso da mãe. Ficou triste ao chegar ao Brasil e descobrir que a tinha esquecido, mas agora ela estava aqui novamente, lhe fazendo companhia.
Alguns momentos depois, após fechar o pingente e guardá-lo ─ assim como a carta da sua mãe e a caixinha ─ Mel decidiu que estava na hora de ir, mas a chuva se recusava a passar, frustrando-a. Rafael disse que ela poderia ficar o tempo que fosse preciso.
─ Então, parece que você é meu tio, acho. ─ arriscou em certo momento.
Ele gargalhou.
─ Pode até me chamar de tio Rafa se quiser. ─ disse erguendo uma sobrancelha.
─ Acho que vou gostar disso. ─ disse sem conseguir deixar de sorrir. ─ Tio Rafa, quem diria? ─ mudou o tom de voz e mordeu o lábio. ─ Me desculpe pela minha entrada abrupta mais cedo, eu fui um pouco rude, sei que estava um pouco nervosa e confusa, mas isso não é desculpa. Sinto muito, mesmo!
─ Está tudo bem. ─ tranquilizou-a, sinceramente. ─ Como vocês jovens costumam falar sempre, relaxa.
Ambos gargalharam. Ele se aproximou e estendeu os braços, oferendo um abraço, ela aceitou de bom grado sentindo uma paz tranquilizadora.
─ Obrigada. ─ ela sussurrou.
A essa altura a chuva finalmente havia cessado. Melody se despediu de Rafael e saiu da luteria prometendo aparecer no dia seguinte para conversarem um pouco mais. No entanto, havia algo que precisava saber antes de ir. Ela precisava saber sobre os seus avós, eles nunca mais tinham a procurado, e mesmo sabendo que o seu pai tinha muito a ver com isso, sentia que existia algo mais. As suas suspeitas foram confirmadas assim que tocara no assunto, pois a expressão no rosto de Rafael assegurava isso, foi como se ele de repente ele tentasse mascarar a verdade, tentando esconder alguma coisa. Tinha algo errado. Questionando-o ele finalmente declarou, com pesar, que a sua avó havia falecido há mais ou menos três anos. E, mesmo não a conhecendo, Melody sentiu um aperto doloroso no coração, ela não escolheu conviver longe deles, e tinha certeza absoluta que eles haviam se arrependido das decisões erradas que tomaram. Rafael também contou que não tinha muito contato com a família da falecida esposa, mas sabia que o meu avô ainda morava no Rio de janeiro, e estava bem de saúde.
Sem saber de onde, uma ideia lhe surgiu repentinamente, fazendo-a tomar uma decisão inesperada e um pouco precipitada. Mesmo sendo um pouco tarde, notou que as luzes da cafeteria ainda estavam acesas, foi até lá e encontrou Bianca, talvez a chuva a tenha obrigado a permanecer ali, Melody pensou ao ver que ela se prepara para fechar.
─ Mel?! ─ Bia exclamou, fitando-a atentamente. ─ O que aconteceu com você, garota, seu cabelo está péssimo. ─ fez um careta teatral. ─ Estava brincando de Cantando na Chuva por acaso? ─ brincou.
Melody mordeu o lábio.
─ É uma longa história. ─ começou, respirou fundo, e antes que mudasse de ideia, disse: ─ Mas, resumindo, preciso do seu carro emprestado. ─ anunciou.
─ Ok! ─ respondeu sem pestanejar e entregou as chaves do carro, o que foi estranho. Bianca era curiosa por natureza e adorava fazer perguntas, principalmente quando dizia respeito à Melody.
Após dar uma rápida analisada na amiga que parecia ter sobrevivido a uma grande tempestade, Bia aconselhou Melody a dar um jeito na sua aparência rapidamente. Olhando para si mesma e dando uma breve avaliativa no seu cabelo, teve que aceitar que sua aparência estava lastimável. Rolando os olhos Mel concordou em vestir uma roupa seca e limpa que Bia havia lhe emprestado, enquanto sua amiga, pacientemente, dava um jeito no seu cabelo e o prendia em um rabo-de-cavalo alto.
─ Bem melhor assim! ─ Bia aprovou.
Melody assentiu concordando, estava se sentindo bem mais confortável agora.
─ Posso usar o seu celular por um minuto? ─ Mel perguntou.
Franzindo a testa, Bia deu de ombros.
─ Fique a vontade. ─ disse apenas, entregando o aparelho, mas achando o comportamento de Melody um tanto suspeito.
Melody discou os números e se afastou um pouco de Bianca, ouviu alguns tuns repetitivos até ele, finalmente, atender.
─ Juliano... ─ falou, e antes mesmo que o seu irmão dissesse alguma coisa, ela o cortou. ─ preciso de um favor.
─ Mel, está tudo bem? ─ Bia sondou assim que a amiga finalizou a ligação, ela ouvira alguns trechos e pelo o que pode perceber Melody estava saindo da cidade, e parecia bastante ansiosa. Bia percebeu também, pelo modo como Mel afastou o celular do ouvido quando estava falando com Juliano, que ele não estava nada feliz com a decisão dela. ─ Você está fugindo da cidade ou algo do tipo? ─ inqueriu Bia, cuidadosa.
─ Mais ou menos. ─ admitiu. ─ Olha, eu vou entender se não quiser emprestar o carro, afinal eu não venho sendo um modelo de melhor amiga ultimamente.
─ Sem drama, ok! ─ disse colocando as mãos na cintura de forma despreocupada. ─ Você pode ficar com o carro o tempo que quiser, só cuida bem do meu bebê. ─ avisou, descontraída. Melody agradeceu e a abraçou quebrando a tradição, já que quem costumava abraçar sem permissão e espontaneamente era Bianca. Esta piscou desconfiada com a atitude da amiga.
Quinze minutos depois, logo após deixar Bianca em casa, Melody parou em frente ao prédio em que morava, Juliano já estava a sua espera. Com os braços cruzados e uma carranca, ele encarou a irmã quando ela parou o carro.
─ Pronto, suas malas! ─ disse sem muito humor, estreitando os seus olhos azuis-acinzentados, que nesse momento lampejavam. ─ Agora, dá para me contar o que está acontecendo?


 renata massa