Melody acordou um pouco
incomodada, na verdade nem conseguira dormir muito bem durante a noite. Ficou
rolando de um lado, com os pensamentos embaralhados e um vendaval emocional que,
consequentemente, tirou-lhe o sono.
Talvez estivesse sendo um
pouco paranoica. A reação de Rodrigo a estava perturbando mais do que deveria,
principalmente porque tinha certeza absoluta de não ter feito nada de errado. O
comportamento dele fora uma surpresa para ela, afinal, haviam concordado em
caminhar para um futuro juntos com calma, e isso dependia de uma construção
sólida de confiança e troca mútua.
Não fora o aconteceu, isso a
desolou.
Ficar na companhia de
Rodrigo era ótimo. Mas uma pequena porção do coração de Melody temia o pior.
Ela não escolheu amá-lo,
aconteceu naturalmente, e Melody sabia que além de lidar com esse sentimento
inesperado também deveria se preparar para espantar todos os seus fantasmas, e
resolver todos os seus problemas se quisesse que o relacionamento deles realmente
fosse consolidado, sem rachaduras. Mas aparentemente ele não pensava da mesma
forma.
Por que Rodrigo não podia
fazer o mesmo? E por que sofrer sozinho se ela estava disposta a ajudar?
Suspirou sentindo-se
exausta, ela não sabia respostas para nenhuma dessas perguntas. Era frustrante,
no mínimo.
E, além de tudo isso, tinha
algo em que ela não conseguia parar de pensar um só segundo, e estava
perseguindo-a há semanas. Um dos problemas que estava disposta a resolver. Um
dos seus piores medos. Um sentimento que a destruía e a impedia de ser
plenamente feliz.
Jogando o cobertor para o
lado, desceu da cama e foi até seu guarda-roupa, de onde rapidamente pegou a
caixinha de música que Rafael lhe dera logo ao se conhecerem. O pequeno objeto
estava escondido atrás de uma pilha de roupas, protegido. Apesar de ter amado o presente na época, ela
não conseguia olhá-lo por muito tempo, pois ele trazia consigo algumas
lembranças confusas que, ao mesmo tempo em que a faziam sorrir também a
deixavam deprimida.
Levou a caixinha com ela e
voltou para a cama, encarando o delicado objeto de madeira, decidindo se
deveria abri-lo ou não. Desde que o ganhara não havia tido coragem de abri-la
novamente.
− Melody? – ouviu a voz de
Juliano surgir quebrando o seu silêncio reflexivo. Ela levantou a cabeça e o
viu parado na porta entreaberta. – Algum problema?
− Não.
− Tem certeza? – ele
perguntou, desconfiado. Ela o olhou por um momento, poderia ver a preocupação
que ele inutilmente tentava esconder.
Mel poderia tentar
tranquilizá-lo dizendo que estava bem, mas isso seria uma mentira, e, de todas
as pessoas em todo o mundo que a conhecia, seu irmão era o único para quem não
conseguia esconder sua tristeza, nem mesmo se quisesse. Ele a conhecia muito bem
como fazia questão de lembrá-la sempre.
− Na verdade... não tenho
certeza. – respondeu com um tom de voz fraco e monótono. Juliano foi até ela e
a abraçou, sem fazer nenhum questionamento, porém com a cabeça fervilhando de
perguntas.
Mel suspirou e se aconchegou
nos braços dele, ela sempre se sentia segura, protegida, perto do irmão...
mesmo que dentro dela um furacão desorganizasse tudo.
− E essa caixinha? – Juliano
perguntou após alguns minutos em silêncio. – Não me lembro dela. É nova?
− Foi o Rafael quem me deu
de presente. – revelou sem muito entusiasmo.
− Posso? – ele indagou
segurando a caixinha e a abrindo após Mel assentir em seguida.
E, novamente, enquanto a
música tocava, Melody fechou os olhos e a mesma a cena que vira na luteria
depois de abrir a caixinha pela primeira vez surgiu na sua mente. E mais uma
vez foi impossível evitar algumas lágrimas.
− Somewhere over the Rainbow. – ele murmurou reconhecendo a melodia.
Era a música que a mãe de Melody costumava cantar e tocar ao piano para ela.
O mágico de Oz era a
história preferida de Melody, e ela amava quando sua mãe, todas as noites,
narrava as aventuras de Dorothy e do cachorrinho Totó. E depois de contar a
história que ela, definitivamente, nunca se cansava de ouvir, era a vez de sua
mãe cantar o tema do filme – que Mel também não cansava de assistir. – numa voz
suave e sussurrada que a fazia dormir e sonhar com um campo de flores silvestres.
Juliano desviou a atenção da
caixinha quando percebeu que Melody estava chorando.
− Shhhh... Mel... – como
sempre, quando isso acontecia, ele não tinha certeza do que dizer, então a
abraçou com segurança, retirando algumas lágrimas da sua face e a beijou o topo
da cabeça.
− Eu sei que faz muito tempo...
– soluçou. – mas eu sinto saudades dela.
− É claro que sente. –
hesitou um momento. – Mas, eu gostaria que você parasse de pensar que foi sua
culpa.
Mesmo que Juliano estivesse
certo, Mel não conseguia concordar inteiramente. Não que ela realmente tivesse
culpa na morte da sua mãe, não diretamente pelo menos, era o que repetia para
si mesma.
Durante anos foi perseguida
por pesadelos onde vozes gritavam com ela: Se
você não tivesse nascido sua mãe ainda estaria viva! Foi exatamente o que a
mãe da sua mãe havia dito no enterro. Foi uma cena lamentável, principalmente
para uma criança que havia acabado de perder a mãe. Melody nunca esquecera,
depois disso também nunca mais os vira novamente. Alguns anos depois, seus avôs
maternos desenvolveram um súbito interesse pela neta, antes indesejada, e
tentaram chegar até ela. No entanto, Fernando os proibiu de se aproximarem
dela, de alguma forma o aviso funcionara. Eles não tentaram entrar em contato
novamente.
− Você tem razão. – falou
num sussurro. Sorriu tristemente, fez uma pausa breve aproveitando o silêncio
para tomar uma decisão, suspirou antes de falar novamente. – Juliano, tem um
lugar onde gostaria de ir. Você pode vir comigo?
− Claro! – respondeu ainda a
mantendo os braços em volta dela.
≈ • ≈ • ≈
O orvalho cobria as pétalas
das flores, deixando-as com uma aparência suave e primaveril, foi a primeira
coisa que notou ao vê-las, em sua maioria flores do campo. Mas, quase escondida
em um canto secreto estava um arbusto e ao lado dele estavam plantadas uma
porção de tulipas amarelas, era a flor preferida dela, pensou.
Melody já estava olhando
fixamente para a lápide da mãe há quase uma hora, o silêncio imperava e ela não
tinha vontade de falar absolutamente nada. Juliano percebeu isso.
− Você quer ficar um pouco
sozinha? – perguntou, Melody assentiu afirmativamente. E algum tempo depois
sentiu o rosto sendo banhado por lágrimas quentes e dolorosas, enquanto pensava
na mãe e como sentia a sua falta.
O vento matinal soprava
silvos suaves, e o clima estava neutro para o horário.
− Um lenço? – ouviu uma voz
suave oferecer.
Melody ergueu o rosto e se
deparou com uma mulher que a olhava atentamente. Ela era bonita, tinha um
cabelo loiro que pendia em camadas estrategicamente onduladas, olhos azuis e um
sorriso estranhamente indecifrável, Mel a fitou por alguns segundos. Nunca a
vira antes, concluiu.
− Obrigada. – agradeceu
segurando o lenço que tinha um leve aroma de jasmim, e enxugou as lágrimas com
cuidado.
Silêncio.
− Marissa. – a mulher
sussurrou o nome da mãe de Melody com doçura. – Ela era linda, e tinha um
sorriso tão puro, você se parece muito com ela. – comentou um momento depois.
− Obrigada! – Melody piscou
e abriu um sorriso fraco.
Quem era ela afinal? Falava
da sua mãe como se tivesse a conhecido muito bem. Queria perguntar, mas não
sabia como sem parecer indelicada.
− Desculpe, acho que você
estava querendo ficar um pouco sozinha. Não quero atrapalhar o momento de
vocês.
− Está tudo bem. –
garantiu-lhe sinceramente. Tomou coragem e falou. – Como conheceu a minha mãe?
Desculpe a pergunta direta é que, desde que sai daqui não tenho contato com
ninguém que a conhecia. – explicou. Por alguma razão desconhecida, no momento
em que a viu, decidiu que gostava dela.
− Sua mãe foi minha
professora de piano. Quer dizer, ela não era minha professora literalmente. Eu
tinha oito anos quando a conheci, acho que ela devia ter a sua idade. – assinalou
pensativa. – Eu estava passando minhas férias escolares na casa de uma tia no
Rio de Janeiro, Marissa morava na casa ao lado, e todos os dias enquanto eu
brincava com algumas primas no quintal a ouvíamos tocar piano. – Melody sorriu
escutando atentamente. – Um dia resolvi matar a minha curiosidade, havia uma
paisagem entre a cerca viva da casa dela e uma árvore, e fui espioná-la. Lembro
que pensei que estava sonhando quando a vi, ela parecia um ser fantástico que
acabara de sair de um conto de fadas, suas mãos deslizavam nas teclas com
suavidade e destreza e sua aparência era a de um querubim altivo e benevolente.
Marissa não percebeu que eu a estava observando, e nos dias seguintes
espioná-la se tornou uma espécie de passatempo. – sorriu com a lembrança. –
Então um dia eu estava tão absorta na ideia de vê-la que simplesmente não notei
que ela não estava ao piano, como estivera todos os dias. Levei um susto quando
ouvi uma voz ao meu lado.
− Procurando alguém? − ela
havia perguntado em tom divertido. – Desculpe, não queria assustá-la. – falou
quando me sobressaltei, e logo depois sorriu. Fiquei um pouco nervosa quando
ela subitamente me convidou para entrar na casa perguntando se eu não queria
tocar também ao em vez de só observá-la. Eu disse que não sabia tocar, então
ela disse que me ensinaria. Foi assim que ela se tornou minha professora de
piano.
− Ela era maravilhosa! – Mel
sussurrou olhando para a pequena fotografia da sua mãe na lápide de mármore, e
permaneceu assim durante longos minutos. Por isso não percebeu quando a mulher
desconhecida olhou rapidamente para o relógio e suspirou, ela estava quase
atrasada para um compromisso, mas ao mesmo tempo não queria ir embora sem antes
ter a chance de falar mais um pouco com a filha de Marissa, sabia que ela fora
levada pelo pai para a Itália um pouco depois do enterro da mãe. No entanto ela
estava tão concentrada que não quis incomodá-la, já havia sido inconveniente o
bastante. No momento seguinte começou a caminhar em direção a saída.
O som dos seus passos trouxe
Melody de volta do seu torpor.
− Espere! – a chamou
rapidamente.
A mulher parou
instantaneamente a aguardando. Melody caminhava na sua direção quando Juliano
apareceu.
− Melody? Está tudo bem?
− Sim! – disse casualmente,
e olhou novamente para a mulher com quem estivera conversando. – Juliano esta é
a... – Melody havia ficado tão envolvida na conversa e tão à vontade na
presença dela que simplesmente esquecera-se de perguntar qual o nome dela.
− Luísa. – ela falou
erguendo a mão para cumprimentar Juliano. Melody achou o nome familiar, mas não
sabia o porquê.
− Luísa, este é Juliano, meu
irmão. Ela conhecia a minha mãe. – relatou a Juliano.
− Olá! – ambos disseram em
uníssono.
Melody voltou-se para Luísa
com um sorriso tímido.
− Bem... é que... – pegou um
bloquinho de anotações e uma canta que estavam na sua bolsa escrevendo rapidamente
o que queria, antes de entregar, por momento, repensou se deveria seguir a
diante ou estaria sendo muito precipitada. – Aqui. – finalmente entregou o
papel. – É o meu endereço, e da cafeteria onde trabalho. Pode aparecer qualquer
dia desses... se quiser. – deu de ombros.
Luísa sorriu, principalmente
quando olhou ambos os endereços e os reconheceu.
− Eu vou, sim. – garantiu. –
Bem, eu tenho que ir. Foi um prazer conhecê-la, Melody. – lembrou que foi assim
que o irmão dela a chamara. Afastou-se e cainhou novamente em direção à saída, acenando
sobre o ombro alguns metros depois.
− Ela é bonita, não é? –
Melody comentou.
Juliano franziu o cenho.
− É. – concordou apenas. –
Mas nem por isso você deveria distribuir seu endereço para estranhos.
Melody revirou os olhos.
Estava demorando!
≈ • ≈ • ≈
Dora não conseguia entender
o motivo pelo qual Melody quisera ajudá-la com o seu visual para o passeio que
teria com Carol. Entretanto, após voltar do cemitério, Mel achou melhor se
distrair com outra coisa, e já que a amiga parecia tão despreocupada com o que
vestir achou melhor lhe dar alguma ajuda, de certa forma isso a auxiliou a
manter os pensamentos tranquilos. Durante todo esse tempo Juliano ficou em
silêncio assistindo ao noticiário – às vezes ele assumia a seriedade de um
homem de negócios, igual ao pai, só que mais relaxado – achando tudo isso um
grande exagero. Ele tinha a nítida impressão de que esse encontro não acabaria
bem.
Algum tempo depois Juliano
observava a irmã atentamente.
Ela parecia perdida em
pensamentos, e estivera assim desde que voltaram da lanchonete onde aquele
sujeito – como costumava chamar Rodrigo. – tocara uma música especialmente para
ela. Juliano ainda não sabia a razão
pela qual de uma hora para outra sua irmã mudou de comportamento. Durante o
show ele pôde ver a admiração estampada no rosto de Melody. Isso não era nada
bom. Sua marcação cerrada não estava funcionando como deveria, pensou
incomodado.
Mel percebeu a presença do
irmão assim que ele entrara no cômodo. Podia sentir o seu olhar perito a
absorvendo, como se tentasse ver algum indício do motivo de ela estar tão quieta
desde a noite anterior. E nesse momento, ela sentia o quanto ele estava se
segurando para não questioná-la. Mas ela não estava muito a fim de falar sobre
o assunto, por isso decidira ler um pouco para se distrair.
No entanto já era a décima
vez que lia o mesmo parágrafo, não conseguia prestar atenção em uma mínima
frase, as letras pareciam apenas com símbolos indecifráveis. E tinha absoluta
certeza de que continuaria assim, pelo menos até falar com Rodrigo. Ela pensou
se deveria procurá-lo, mas achou melhor não. Talvez ele ainda quisesse ficar
sozinho. Mas...
− Por que está chateada? –
Juliano perguntou como quem não quer nada, sentando ao lado dela no sofá.
− Não estou chateada.
− Certo. – achou por bem mudar
de tática e reformular a pergunta. – Então, por que está tão isolada?
− Você me conhece. Eu gosto
de silêncio quando estou lendo. – deu de ombros esperando a próxima pergunta
que sabia que ele faria.
Ele o encarou seriamente.
− Antes que tente criar
alguma outra desculpa, eu tenho certeza que você não está lendo, pois, até onde
sei, você não sabe ler com o livro de ponta à cabeça, não é? – explicou
lentamente como se ela fosse uma criança de cinco anos que estivesse aprendendo
uma lição muito simples. Prosseguiu com cautela. – Parece que está em outro
lugar, na verdade você está assim desde ontem à noite. Aconteceu alguma coisa?
Você não gostou da música, talvez? – perguntou sem realmente querer saber a
resposta. – Claro isso seria surpreendente! – comentou em tom de deboche.
Melody suspirou, e começou a
falar calmamente olhando diretamente para Juliano.
− O Rodrigo é legal,
Juliano. – ela já tinha perdido as contas das vezes que repetira a mesma frase,
mas seu irmão sempre a ignorava, como estava fazendo agora ao rolar os olhos
desinteressado na declaração da irmã. – Será que poderia, pelo menos, tentar conhecê-lo antes de formular uma
ideia fixa sobre ele? Por favor?
− Se ele é tão legal como
você diz, por que a deixou assim? – disse referindo-se ao fato de ela estar
aérea e com os olhos tristes e distantes. – Não diga que ele não tem nada a ver
com isso, não vou acreditar em você. Então...
− Não quero falar sobre
isso. – disse por fim.
Ele considerou a reposta
dela por um curto momento.
− Tudo bem. – concordou
simplesmente, deixando Melody com uma pulga atrás da orelha. O que será que ele
está aprontando?, questionou-se franzindo a sobrancelha direita. – Tive uma
grande ideia. – anunciou subitamente entusiasmado, fazendo o vinco na testa
dela aumentar, ignorando a expressão no rosto de Mel, ele prosseguiu deixando-a
ainda mais desconfiada. – Que tal um almoço à
la irmãos Angel, hã? Está a fim de se divertir um pouco? – abriu um sorriso
estimulante. Melody sorriu largamente concordando, largou o livro de qualquer
jeito, e foram para a cozinha.
Ele sabia exatamente o que
fazer para deixá-la um pouco mais alegre. Há muito tempo não cozinhavam juntos,
se é que a bagunça que eles faziam na cozinha poderia ser classificado como
cozinhar. Logo depois de ir morar na Itália Melody estranhou a comida e durante
algum tempo se recusava a comer qualquer coisa. Foi assim que ficara anêmica.
Encontrando uma saída simples, Juliano fez uma proposta a Mel, eles mesmos
fariam sua própria comida, não que realmente chegassem a comer o que preparavam
já que era praticamente indigerível, mas esse era apenas um modo de distraí-la
e fazê-la comer como deveria. E funcionou. Com o passar do tempo eles
resolveram adotar essa prática como algo somente deles, e aperfeiçoaram os seus
pratos.
Após uma rápida analise no
armário da cozinha e na geladeira, eles se olharam frangiram os lábios.
− Salada Caprese? – ela
indicou.
− E nhoque de batatas? –
sugeriu.
− Perfeito! – falaram ao
mesmo tempo e sorriram.
Durante as horas seguintes
eles conversaram tranquilamente em tom familiar, enquanto cada um deles
encarregava-se dos detalhes dos seus pratos.
Falaram sobre os seus
irmãos, a reação do pai deles ao descobrir que a filha havia viajado sem dizer
para onde, a maneira incessante como a frágil e persuasiva nonna o fez contar para onde sua netinha de mãos de fada havia ido.
Tudo isso os fizera rir por um tempo longo e agradável.
Depois o assunto mudou
bruscamente para Rodrigo. Juliano finalmente quis saber sobre tudo em relação a
ele e Mel. Desde a forma que se conheceram no corredor após o acidente com o
café – que após uma careta de desagrado, Juliano classificou como totalmente clichê. – até o momento em que ela soube
que estava sentindo a “coisa”. Essa havia sido exatamente a palavra que ele
usara para descrever o que Melody sentia por Rodrigo. Ela tentou não rir, mas fora
inútil. Gargalhou enquanto lavava os tomates e as folhas de manjericão.
Quem o visse falando dessa
maneira, sem a menor sensibilidade, poderia jurar que ele era um ogro sem
sentimentos. Mas Melody sabia que isso estava longe de ser verdade. Não era que
seu irmão não acreditasse no amor. Ele acreditava. O casamento dos pais dele
não o deixou descrente para isso. Não, de forma alguma. O problema era que, da
mesma maneira que ele sabia que o amor existia, também tinha certeza de que,
não importa o quanto duas se amem, uma das partes sempre sairá machucado
inevitavelmente. É a lei simples e real do de se viver um relacionamento: o
amor rima com dor. Não que Juliano tenha chegado a essa conclusão por
experiência própria. Na verdade, ele nunca se apaixonara, e isso devia-se
exatamente ao fato de saber – ou pensar saber – como tudo acabaria. Para isso
ele desenvolveu um método muito simples e prático: não olharia nos olhos de uma
garota por mais tempo que julgasse necessário, pois era ali que estava o
perigo, não em curvas de um corpo atraente, mas, sim, na intensidade de um
olhar, como se em um breve momento você tivesse a chance de escolher querer
dar-se ao outro ou não, eram apenas segundos que decidiam... enfim.
Esse pensamento, segundo
Melody, fazia seu irmão parecer um romântico incorrigível, e sabia que a garota
que tivesse a chance e sorte de namorá-lo seria feliz, mesmo que brevemente. E
nesse momento, existia uma garota que ela tinha quase certeza estar presa ao
poder do olhar dele. E, ao pensar um pouco no assunto, notou que pela primeira
vez o grande método do irmão falhara... Ou, pelo menos, tinha grandes chances
de dar errado. Coitado!
Ela achou melhor testar para
saber se estava certa.
− Não sei por que está sendo
tão implicante. Você sabe exatamente do que estou falando, já que está sentindo
o mesmo.
− O quê? – perguntou
confuso. – Espera um pouco, eu não sei do que você está falando, não. Aliás,
não faço nem ideia.
Melody fez uma pequena pausa
antes de prosseguir.
− Não seja idiota, Julian.
Eu estou me referindo a Bianca.
− Humm... O quê é que tem
ela? – perguntou comprimindo os lábios.
Melody colocou os tomates e
as folhas de manjericão, já lavados, sobre a mesa, e encostou-se na bancada da
cozinha para encará-lo.
− Ela... mexe com você. –
afirmou estudando o semblante do irmão, por apenas um segundo viu algo
refletido me seus olhos que não soube afirmar ao certo o que era... constrangimento?
Porém ele recompõe-se rapidamente.
− Ela é bonita, não posso
negar. E é interessante também, além de engraçada, inteligente, espontânea e...
enfim. – agitou a cabeça rapidamente expulsando a estranha sensação de leveza
que de repente o envolveu. Estranho!, pensou. – Não estou interessado nela, se
é o que está insinuando. – declarou convicto, enquanto levava os nhoques à água
fervente.
− Não é o que parece quando
você a ver. – provocou erguendo uma sobrancelha.
− Não tente mudar de
assunto, garota, não vai funcionar. Estamos falando de você, não de mim. –
retrucou.
− Eu só quero que saiba que
não acho certo você se envolver... romanticamente com ela, já que não pretende
ficar aqui.
− Você também não, lembra? –
parou para observá-la com atenção. − Mel? Você não está pensando em morar no
Brasil para sempre, certo? Você vai voltar para a Itália, não vai?
− Eu... – Melody fechou os
olhos por alguns segundos. Sabia que mais cedo ou mais tarde teriam essa
conversa. Inspirou lentamente antes de prosseguir. – Eu não sei. E antes que
você crie um mal entendido quero que saiba que não é por causa do Rodrigo.
Afirmou, embora nesse momento ela não conseguisse nem se imaginar tão distante
dele assim. – Eu gosto daqui, sinto que nunca deveria ter ido embora. Não me leve
a mal, eu amo a Itália e... eu não sei... também gostaria de estar lá. Mas é
estranho, sabe. – sorriu nervosamente, achando melhor começar a montar a salada.
– Quando estou lá, sinto saudades daqui. E agora que estou aqui, bem, não consigo
parar de pensar em todos que estão lá e como gosto do clima, das pessoas, do
olhar pela janela e me deparar com aquela paisagem única e maravilhosa. No
entanto, sei que só posso escolher um lugar para ficar, e não tenho certeza de
qual. Preciso de um tempo decidir, entende?
− Entendo. Mas você sabe que
o papai não vai concordar com isso. – objetivou, sem querer pressioná-la.
− Eu tenho dezoito anos,
posso tomar minhas próprias decisões, fazer minhas próprias escolhas. Não
preciso da permissão dele.
− Como se isso pudesse
adiantar de alguma coisa. Uma hora ou outra ele vai decidir que precisa falar com você. Já parou para imaginar que ele
pode aparecer aqui a qualquer momento. – falou e Melody tinha que admitir que
ele estava certo. Era bem do estilo do seu pai decidir alguma coisa
inesperadamente. Olhando para Juliano percebeu que ele estava sorrindo, ele
apenas deu de ombros. – O quê? Eu gostei da ideia. Se o seu pretendente a
pretendente acha que eu sou intragável, espera só até ele conhecer o possível sogro.
Ele desistiria de você em um passo de mágica. – gargalhou.
Melody semicerrou os olhos o
encarando.
− Ah, é? E você apresentaria
a Bianca a ele? Tenho certeza que o sério e centrado Sr. Fernando iria adorar
conversar por algumas horas com a sua... pretendente a pretendente ainda não
tão pretendente assim? – ela amava a amiga, mas sabia o quanto a garota gostava
de falar, seu pai ficaria louco sem dúvida. Fitou Juliano e sorriu satisfeita
vendo-o ficar sem palavras por um curto período. Isso parecia muito promissor, pensou.
Atormentá-lo sobre isso seria bastante divertido.
− Tudo bem, vamos parar com
isso. Eu não estou a procura de uma namorada. − Juliano falou um pouco na
defensiva, sentindo seu rosto ficar gradualmente vermelho. Céus! Até parece que
há um cupido a solta nesta cidade, pensou apreensivo evitando olhar diretamente
para a irmã. De repente suas mãos tornaram-se bem mais interessantes. Eu não estou apaixonado... Estou?,
questionou-se. Passione? Dio, Juliano! É
claro que não, afirmou para si mesmo. – Alguém precisa confiscar o arco e
flecha dessa criatura. – resmungou baixinho.
Melody o encarou com o cenho
franzido.
− O que você disse?
− Er... eu disse que não
quero nenhuma distração. Tenho que ficar de olho em você. – advertiu.
Melody revirou os olhos de
maneira teatral.
− Às vezes você é
insuportável. – afirmou jogando um pouco de farinha na direção dele,
surpreendendo-o.
− Pelo menos te faço sorrir.
– ele falou revidando o seu ataque e mirando diretamente nos cabelos dela.
Garotas superprotegem os cabelos como um grande tesouro, pensou sorrindo,
enquanto ela lançava um olhar zangado na sua direção. – Foi você quem começou.
– disse erguendo as mãos em defesa. – Então, humm, agora me fala, o que
aconteceu ontem entre você e... aquele lá.
− Rodrigo.
− Tanto faz!
− Tudo bem, você venceu. Ele
não quer falar comigo, acho que está um pouco... chateado comigo.
− Não sei se acho isso ruim.
Gosto da ideia de vê-lo longe de você.
− Você prefere me ver
triste? – perguntou ofendida.
− Não. – negou com a cabeça
sentindo-se um idiota, soltou uma boa parte do ar dos pulmões. – Me desculpe.
Você tem razão, eu não posso controlar o que você sente por ele. E tenho que
admitir, com muito custo, que... acho que ele realmente gosta de você. Só não
deixe que ele fique sabendo disso, está bem? – avisou. – Eu ainda não gosto
dessa situação. Eu não o odeio, mas não ficaria nem um pouco triste se ele
desaparecesse de repente.
− Isso é uma ameaça?
− Não, apenas um sonho
irrealizável. – refletiu pesarosamente.
– Afinal, por que ele está chateado com você?
Melody não sabia se deveria
falar algo ou não, mas toda vez que analisava a cena detalhadamente sentia que
nada fazia sentido. Ponderou por um logo instante antes de narrar a história
toda. Juliano ouviu atentamente sem nada dizer, e após Mel terminar de contar
ficaram em silêncio por muito tempo, até ficar um pouco desconfortável.
− Eu não sei o que está
havendo com você, Melody, sinceramente? É com alguém tão complicado assim que
você quer se envolver? Isso é loucura! O que é isso afinal, síndrome de
adolescência? – seu tom de voz era contido, porém Melody podia ver o quanto ele
estava aborrecido com tudo isso.
Mas, na verdade Juliano
estava ficando impaciente. Sua irmãzinha que tanto amava e lutava para proteger
estava ficando maluca, só podia. Concluiu sem tirar os olhos do rosto dela. E
sua vontade de simplesmente socar o rosto daquele idiota só aumentava. E aquela
música que ele cantara para ela havia sido golpe baixo. E o acréscimo do
violino então... Juliano suspirou pesadamente. O sujeito sabia exatamente o que
estava fazendo.
− As coisas não são como
você pensa, se tentasse ao menos me ouvir...
− O quê você quer que eu
faça? Hã? Que fique parado enquanto um cara qualquer seduz a minha irmã?
− Quê? Juliano, você está
sendo ridículo. Não aconteceu nada entre a gente, se é o que está querendo saber.
Eu só gosto de estar perto dele. Tê-lo próximo a mim é... importante.
− E vivemos rodeados por
fadas e duendes, olha só, um unicórnio. – debochou. – Não espera que eu
acredite que ele sente o mesmo, não é? Ah, por favor?
− Por que não?
− Não sei. Que tal o fato
simples de ele ser homem.
− Você está sendo machista.
Nem todos os homens são iguais. O Rodrigo é um gentleman.
− Ele está começando a me
dar nos nervos, isso sim.
− Eu amo o Rodrigo, Juliano.
– falou calmamente, porém decidida a amenizar a situação. – Isso já está
ficando um pouco insuportável, não acha? Quer parar de me tratar como se eu
fosse uma criança.
− Isso por que você está
agindo como uma... – afirmou cruzando os braços. – e completamente ingênua. –
completou.
Ela o fitou irritada.
− Eu... quer saber? Quando
você decidir ser um pouco mais racional, nós conversamos.
− Ótimo! – Juliano falou tão
irritado quanto Melody. Ele lhe deu as costas e voltou-se inteiramente para a
que estava fazendo. Os pobres tomates sentiram-se ligeiramente prejudicada com o
mau humor dele.
− Ótimo! – falou ela, dando
atenção a sua salada.
O almoço foi silenciosamente
longo. Nenhum dos dois falou uma palavra sequer. Juliano até pensou em pedir
desculpas, ele sabia que estava sendo insensível e irritantemente exagerado.
Mas o que poderia fazer? Não esperava chegar aqui e dar de cara com a irmã
vivendo no mundo da fantasia dos apaixonados. Por Deus! Isso era ridículo! Por
isso, decidiu não falar mais nada, pois mesmo se pedisse desculpas sabia que
junto com ela viria mais outras palavras e estava cansado de discutir com
Melody.
Mas, havia alguém que estava
prestes a ouvi-lo.
Melody também permaneceu em
silêncio sem a menor intenção de falar com Juliano pelas próximas... horas. Era
o máximo que conseguiam ficar sem trocar uma só palavra. Depois de limparem a
cozinha Juliano foi para o seu quarto, calado. Melody permaneceu na sala
tentando ver TV. Era um comportamento totalmente infantil, eles tinham ciência
disso. No entanto, todos os irmãos discutem de vez em quando por motivos
diversos, e com eles não era diferente.
− Ei! – Mel se assustou ao
ver Dora entrar em casa praticamente como um zumbi, andando sem prender a
atenção em nada a sua volta. Dora demorou um momento para registrar que haviam
falado com ela. – Então, como foi o passeio?
− Foi... legal! – respondeu
sem ânimo, isso deixou Melody preocupada.
− O que aconteceu, Dora?
Dora fechou os olhos e
respirou profundamente, tentando reorganizar os pensamentos confusos. Caminhou
na direção de Melody, desbando no sofá em seguida.
− Tudo estava indo
maravilhosamente bem, sabe? Tudo bem que o beijo foi acidental, mas tudo estava
perfeito. – falou sentindo seus olhos marejarem. Eu não vou chorar, repetia mentalmente como um mantra desde que
saíra do parque. – Aí então, ela apareceu do nada e estragou tudo, a Luísa.
Depois foi como se ele nem me visse mais, fiquei completamente invisível. – relatou
com a voz embargada.
− Sinto muito. – Melody
falou sutilmente, sentia-se culpada afinal de contas acabara ajudando Caio
nesse passeio. Ele a convencera dizendo que queria colocar um sorriso no rosto
dela, então por que teve que fazer exatamente o contrário? Ele teria muitas
explicações a dar, pensou seriamente.
Caio
Cruz, você vai se ver comigo!
− Não, não se desculpe. Não
é sua culpa, afinal. – deu de ombros, mordendo exageradamente os lábios,
parecia que iria entrar em colapso a qualquer momento.
− Eu pensei que seria uma
boa ideia. – Melody procurou se justificar. – Bem, talvez o Caio só esteja, não
sei, confuso? – meneou a cabeça discordando do próprio comentário. Juliano
estava certo quando disse que esse “encontro” não iria dar certo. Talvez devesse
dar um pouco mais de crédito ao seu irmão. Mas, por hora, deveria tentar
animá-la. – Bem, além de um bobo convicto, o Caio é um cara legal, e seria um
completo idiota se não a notasse. – sorriu. – Você é linda, engraçada e...
Espera um pouco. – havia ficado tão incomodada com o estado da amiga que não
prestara atenção em um detalhe que ela consciente ou inconscientemente deixou
escapar. A fitou com olhos arregalados. – Você disse que ele te beijou? Como
aconteceu?
Dora piscou os olhos
rapidamente, envergonhada.
− Não importa. – falou
brevemente, sua garganta ardia e estava ficando difícil respirar. Agora não
tinha certeza de quanto tempo mais conseguiria conter as lágrimas. – Estou
caindo fora antes que me machuque de verdade. – avisou. – Não estou apaixonada
nem nada do tipo. Eu só gosto dele, mas não chega a ser algo tão complexo e
sublime como é entre você e o Rodrigo. – suspirou. – Aliás, como vão as coisas
entre vocês? Ele já falou com você?
Dessa vez foi Melody quem
deixou os ombros caírem e a tristeza tomou conta dos seus olhos.
− Não, ainda não.
− Isso é ruim. – Dora
comentou. Não sabia o motivo pelo qual ele poderia ter ficado chateado com a
amiga, mas estava chegando a conclusão de que ele era tão idiota quanto
Caio. – Eh, Mel, não quero ser pessimista,
mas acho que você deveria ouvir o Juliano. – disse pegando Melody de surpresa.
– Ele pode estar sendo um pouco mais cuidadoso do que deveria, mas de certa
forma, sei lá, ele está certo. – soltou uma risada desanimada ao perceber o que
acabara de dizer. Juliano é homem e
homens são todos uns idiotas, pensou, ele
não está certo coisa nenhuma. – Deixa para lá, não leve nada do que eu
disse em consideração. E não se preocupe comigo, só estou um pouco deprimida,
nada que um belo pote de sorvete de chocolate não resolva. – declarou otimista indo
na direção da cozinha. Abriu a geladeira, pegou o pote de sorte e sorriu.
− Tem certeza de que está
bem? – Mel perguntou hesitante.
− Na verdade não. – piscou
na direção da amiga e sorriu ainda mais quando notou que realmente não havia
derramado uma única lágrima. – Mas, vou ficar. – garantiu.
Melody assentiu.
− Sorvete e um filme qualquer
da TV, que tal? – sugeriu e Dora concordou rapidamente.
O estado emocional das duas
garotas pediam uma comédia que as fizessem rir por horas, no entanto, zapearam
durante algum tempo sem encontrar nada de interessante, pelo menos nada que
fosse hilário o bastante. Após alguns minutos, pararam em um canal onde estava
reprisando, pela enésima vez, o romance mais visto de todos os tempos; Titanic.
Ao julgar pelo final da história e tudo por trás dela, já que era baseado em
fatos reais, este realmente não seria o filme indicado. Porém, assistiram ao
filme fazendo comentários lógicos, e com isso o filme não era tão triste assim.
≈ • ≈ • ≈
Juliano bateu na porta três
vezes antes de ser atendido. Esperou um momento oportuno para agir, e no
instante em que Dora e Melody foram para os seus respectivos quartos, ele
resolveu sair, havia algo que precisava fazer, e graças a falta de oportunidade
nunca conseguia.
Pelo menos, até agora.
− Ah, é com você mesmo que
eu quero falar. – disse entrando rapidamente no apartamento, sem esperar um
convite e com sua postura mais intimidadora possível.
− Juliano!? – Rodrigo
exclamou estranhando a presença dele.
− Eu!
− O que você quer?
Juliano não respondeu. Dando
uma rápida olhada no interior do apartamento viu Caio sentado numa cadeira com
um violão em mãos.
− Será que você se
importaria de nos deixar sozinhos, Caio? – Juliano pediu num tom de voz neutro
com o máximo de educação que pôde. Seus olhos estavam impassíveis, mas isso não
amenizou a situação que ficara tensa rapidamente.
− Er... Bem... – pigarreou
dando de ombros. – Olha, eu só quero lembrá-los de que a violência não leva a
lugar nenhum. – só a um hospital, pensou olhando de Juliano para Rodrigo, e
balançou a cabeça. Por qu o Rodrigo teve que se apaixonar logo pela Mel? Tudo
bem, ela é encantadora, maravilhosa, incrível... Mas, sério, esse irmão dela é
louco!, concluiu internamente.
− Fique tranquilo. Eu não
quero que nada de ruim aconteça com o meu pretenso futuro cunhado. – falou num
tom jocoso que, combinado ao seu sotaque dava a ligeira impressão de que ele
estava sendo sincero. No entanto, Rodrigo percebeu o sarcasmo carregadamente
implícito vindo do seu comentário, e a forma séria como o encarava não
amenizava nada. Sendo assim, achou melhor se preparar para o que estava por
vir.
− Boa sorte! – Caio falou a
Rodrigo ao cruzar por ele, deixando-os a sós.
− Então... Acho que você
veio falar sobre o que está acontecendo entre mim e a Mel, certo? – comentou
Rodrigo, sem saber exatamente o quê dizer.
− Você acha? – debochou. – É claro que estou aqui para isso, visitá-lo por
educação é que não foi. Tudo bem, vamos por os pingos nos “is”,
definitivamente. Se acha que vou ficar
de braços cruzados enquanto você fica ludibriando a minha irmã com esses seus
olhos azuis idiotas e um monte versos melosos, você está tremendamente enganado!
− Eu não...
Juliano o interrompeu.
− Eu não vou com a sua cara.
– assumiu. Isso não é nenhum segredo, Rodrigo, observou mentalmente. – E parece
que você é mais idiota do que eu pensava.
− Espera aí...
E mais uma vez Juliano
ignorou os protestos dele de se defender. E relatou exatamente o que Melody
havia contado sobre ele, o irmão e a ex-noiva, e o acusou de idiota mais uma
vez por ousar deixar a Melody triste. Também não foi nada interessante quando
ele começou a falar em italiano, e Rodrigo teve quase certeza de que ele o
estava xingando.
− A Mel te contou tudo isso?
– indagou quando ele finalmente deu uma pausa, não acreditando no que ele
dizia.
− É claro que me contou, ela
não esconde nada de mim. – ou quase nada, a falta de informações da história do
que realmente acontecera entre ela e Victor ainda o aborrecia.
− Tudo bem. Mas acho que
isso não é da sua conta.
− É aí que você se engana,
meu caro. Se diz respeito a você, consequentemente tem a ver com a minha irmã,
e se tem a ver com ela é sim da minha conta. – inexplicavelmente o argumento
dele fazia sentido, Rodrigo pensou. – Olha aqui, enquanto você estava tendo
pena de si mesmo, e por uma razão praticamente lamentável estava
equivocadamente aborrecido com ela, a Mel não fazia outra coisa se não se culpar,
e ela só disse o que era óbvio. Mas quer saber, ela é assim mesmo, altruísta.
Então, o que pretende fazer? – perguntou. – Porque eu vou logo avisando, se
você fizer mais alguma coisa que posso deixá-la magoada novamente, eu acabo com
você. E se não esta disposto a resolver
os seus problemas antes em pensar levar um relacionamento com a minha irmã a
sério, acho melhor sair de cena. A Melody passou por muita coisa, não vou
permitir que ela sofra mais. E antes que diga alguma coisa, esteja certo que
não pensarei duas vezes e a levarei embora daqui e você não a verá jamais. –
exasperou-se.
Rodrigo o encarou dando um
largo suspiro exausto. Ótimo, pensou decididamente, hora de acabar com essa
situação incômoda.
− Já chega, ok!? – ele
assumiu uma postura mais confiável, subindo um pouco o tom da sua voz. – Eu
estou cansado da sua atitude. Você resolveu aparecer do nada e, antes de tentar
me conhecer e saber o que está acontecendo entre mim e a Mel, simplesmente me
trata como se eu fosse um pária. Não estamos fazendo nada de errado. Quer
saber, você é que é o idiota aqui. Confesso, minha reação não foi nada madura
na outra noite e se não fosse por você me impedir de vê-la já teria pedido
desculpas. Se alguém tem culpa, é você!
Juliano ergueu uma
sobrancelha, em provocação.
− Como é que é?
− É isso mesmo que você
ouviu. Desde que chegou aqui está sufocando ela. Certo, você é um ótimo irmão
que realmente se preocupa com o bem estar da irmã, eu entendo. Mas acho que
está passando dos limites do bom senso.
− Passando dos limites? Não
faz ideia do que está falando. E não adianta o possa me dizer, eu não vou
concordar com esse... romance!
− Esse é o problema. Não é
você quem tem que decidir, é ela. – retrucou.
− Você tem razão. Mas a Mel
é inteligente e respeita a minha opinião o bastante para não seguir com isso.
− E você está sendo egoísta
manipulando-a dessa forma. Acha isso justo?
− Não. – Droga! O idiota
estava certo, absolutamente. Mas ele não precisava saber disso.
− Eu realmente amo a Mel. –
garantiu-lhe um pouco nervoso. Nunca se imaginou em uma situação como essa, mas
pela Mel valia a pena, sem dúvida.
− Você já a convenceu disso.
– retorquiu. – Espero que consiga me
convencer.
− Parece um desafio.
− Acredite. – sorriu
debochado. – É um. – desfez o sorriso rapidamente dirigindo-se à saída, por
hoje era o bastante. No entanto... – Ah, e mais uma coisa. – girou nos
calcanhares e olhou fixamente para Rodrigo. – Nós nunca tivemos esta conversa,
se é que você entende. – enfatizou.
− Sem problema!
≈ • ≈ • ≈
Mel apareceu na cozinha um
pouco depois de ouvir o barulho da porta batendo, e observou o irmão
tamborilando distraidamente os dedos sobre o balcão encarando o nada. Ela notou
que ele murmurava palavras ininteligíveis.
− Juliano? – chamou-o um
tanto curiosa. – Você demorou. Onde estava?
Ele a olhou por um segundo e
sorriu, parecia estranhamente satisfeito.
− Humm... Dando alguns
avisos. – avisou com um tom irônico. Mel ergueu uma sobrancelha em confusão.
Ignorando a expressão de interrogação no rosto da irmã, aproximou-se e a beijou
na bochecha. – Buona notte!
− Mmmm... Buona notte!
Um minuto depois Melody
ainda estava parada tentando entender o que ele quisera dizer com “dando alguns
avisos”. Por alguma razão, deu uma rápida olhada na direção da porta e suspirou
ao entender exatamente do que ele estava falando. Meneou a cabeça incrédula.
Ele
não fez isso, fez? Relembrando o sorriso no rosto do irmão,
concluiu. Sim, ele fez!
Respirou fundo tentada a
pedir explicações para Juliano, mas achou melhor encerrar o assunto por essa
noite. Voltou para o seu quarto e ficou durante algum tempo encarando o teto de
maneira fixa e desanimada. Ela queria falar com Rodrigo, precisava, mas não
sabia como estavam as coisas entre eles naquele momento. Ela não deveria ter
dito nada, pensou.
Todo vez que fechava os
olhos conseguia imaginar a cena com perfeição. Relembrou pela milésima vez tudo
o que havia acontecido, cada detalhe mínimo.
Ela apenas ficou parada
sozinha, desolada, sem saber o que fazer. Por um momento pensou em ir atrás
dele, mas ao julgar pela expressão de confusão e traição que ela vira no rosto
dele, percebeu que não seria uma boa ideia.
Ele precisava ficar sozinho,
e ela não era uma companhia ideal para o momento em questão. Isso doeu um
pouco, na verdade muito mais do que poderia prever.
Respirou fundo e mordeu o
lábio tentando segurar as lágrimas. Ela não podia chorar. Olhou para a mesinha de
cabeceira e encarou seu celular, que parecia estar brilhando, chamando-a.
Ela deveria ligar para ele?
Ir até o seu apartamento estava fora de cogitação, sem dúvida. Mas, talvez ela
devesse deixar as coisas como estavam. No entanto, uma indagação assombrava
seus pensamentos. E se ele tivesse desistido e quisesse acabar tudo o que havia
entre eles, e só estava tentando encontrar um modo rápido e simples para fazer
isso?
Resolveu não ligar, deitou
de lado e inutilmente, fechou os olhos para dormir.