2 de julho de 2013

Capítulo 16 - Mau Comportamento





O dia estava perfeito para uma corrida, esse fora o primeiro pensamento que Melody teve ao acordar após o jantar que tivera com seus novos amigos.
Sol... Calor... Ar puro... Suor... Exaustão... Esses eram os ingredientes perfeitos para manter a mente completamente ocupada, bloquear qualquer tipo de pensamento perturbador e inconveniente, além de uma boa dose de uma música ensurdecedora cuja letra era praticamente impossível de identificar. Os sons dos instrumentos faziam ecos na sua cabeça, como se estivessem reivindicando, brigando uns com os outros por um espaço restrito: a batida da bateria assemelhava-se a uma grande explosão atômica, enquanto o solo de guitarra sibilava gritos incoerentes, tudo isso combinado à voz do cantor que era uma coisa a parte: rouca, petrificada e completamente desconexa. Esse não era o seu estilo de música preferido, não habitualmente. Entretanto, funcionava quando ela queria manter os pensamentos longe. Sempre que queria manter a cabeça vazia, Melody costumava pegar o seu iPod, colocar os fones de ouvido e aumentar o volume no máximo possível... E essa era umas dessas vezes.
No dia anterior as coisas caminharam bem, com uma calmaria extasiante. Depois de um longo dia de trabalho, ela e Caio foram fazer compras, e a cada passo que dava, e a cada vez que ele sorriu para ela, Melody sentia-se cada vez mais incompleta; ela estava com saudades de casa, da sua avó, dos seus irmãos... Se no começo ela não sabia quanto tempo ficaria, agora não tinha mais tanta certeza de quanto tempo aguentaria ficar longe deles. Esforçou-se ao máximo para que a sua tristeza não transparecesse durante o “Jantar da Paz”, e ela se saiu muito bem. Na verdade ela sempre foi ótima em esconder quando estava sentindo-se triste, e agora, nesse momento, enquanto corria e sentia o mundo a sua volta desaparecer, a única coisa em que tentava não pensar era na conversa que tivera com Juliano, seu irmão super protetor, que havia ligado para ela um pouco antes de Melody se despedir dos seus novos amigos.

Até que enfim! Será que eu posso saber por que nunca consigo falar com você? Já estava quase pegando o próximo avião para ir até aí. Sabe o que é ficar sem noticias sua? Você vai falar alguma coisa ou não? – ele parecia bem zangado. Pudera, ela simplesmente se desligou de tudo e provocou essa reação por parte dele.
Melody respirou fundo.
Desculpe-me, Juliano. – falou com a voz embargada. – Meu celular deve estar com algum problema. – mentiu, sentindo-se mal com isso.
Nunca deixe isso acontecer novamente. – Juliano pediu em tom autoritário.
Ok! – respondeu com a voz fraca. Caminhou até o outro lado da sala, e olhando fixamente para a janela, suspirou. Alguns minutos se passaram, do outro lado da linha e seu irmão pereceu perceber que havia algo de errado. É claro que perceberia, ele era mestre em saber quando ela não estava bem.
O que aconteceu? – perguntou por fim. Os olhos de Mel ficaram marejados.
Nada! – garantiu.
Sua voz está diferente. – ele afirmou. – Tem alguma coisa acontecendo com você, eu posso sentir. – ouviu quando ele respirou fundo e logo em seguida a questionou. – O que houve Mel? E nem tente me convencer de que não está acontecendo nada, eu a conheço muito bem. – avisou ficando um pouco mais nervoso do que antes. Melody ponderou por um momento qual seria a melhor forma de começar a contar às coisas que estavam acontecendo. E de todas elas, os telefonemas insistentes do ex era o que mais a preocupava. Juliano nunca fora muito a favor do relacionamento deles, e quando tudo terminou, da forma que terminou, ele ficou ao lado dela sem questionar o porquê de nada. No entanto, achou melhor começar com o mais leve dos acontecimentos, pelo menos era o que pensava.
Acho que voltei a ser anêmica. – falou com naturalidade, como se estivesse fazendo um rápido comentário sobre a previsão do tempo. – Não é ridículo? Desmaiei e tudo. – contou tentando fazer piada.
O QUÊ? – Juliano gritou ao telefone. Ele sempre foi meio exagerado, ela pensou fechando os olhos. – Melody! – exclamou impaciente após alguns segundos, como se houvesse acabado de recuperar a voz. – Como assim desmaiou? Céus, eu sou o pior irmão que existe! Onde é que eu estava com a cabeça quando concordei com essa sua viagem?
Juliano! Quer ficar calmo, por favor? – pediu.
Como você está? – perguntou impaciente. – Eu quero a verdade.
Agora estou bem. Já faz algum tempo que aconteceu, e na hora... – parou para escolher bem as palavras. – humm... alguém me ajudou.
Alguém quem? – indagou enfático.
Isso não vem ao caso agora. – Mel mordeu o lábio e resolveu mudar rapidamente de assunto e do foco das perguntas. – Como estão às coisas por aí?
O ouviu respira profundamente.
Tudo bem, de certa forma. O Pedro e a Isabella ainda sentem a sua falta, é claro que sentem, você nunca se ausentou daqui. – prosseguiu. – Eles não param de perguntar onde você está, e por que foi embora. E a Isabella voltou a ter pesadelos, não conseguimos fazer muita coisa. Você é a única. – declarou.
E a nonna? – perguntou tentando se desfazer do nó que se formara na garganta.
Está mais calma. Eu tive uma longa conversa com ela sobre você.
Como assim?
Não tive outra opção, Mel. Tentei juro que tentei, mas não consegui esconder onde você está. – justificou-se ele. – Desculpe-me.
Tudo bem. – respondeu dando de ombros. Sabia que se ele havia quebrado a promessa que fizera foi por falta de opção. A matriarca da família Angnel sabia ser persuasiva quando queria.
Eh... – ouviu Juliano pigarrear do outro lado da linha, e se Melody o estivesse encarando naquele momento poderia vê-lo passar a mão no cabelo e apertar a nuca, como se estivesse escolhendo as palavras certas para dar uma má noticia.
Pode falar de uma vez, Julian. – o chamou pelo o apelido que lhe dera quando chegou à Itália. – Eu aguento.
Ele pareceu relaxar um pouco.
Ele também perguntou por você, novamente, pela milésima vez. – prosseguiu com a voz neutra. – Está um pouco impossível fingir que não sei o seu paradeiro. Você sabe que ele tem um radar muito eficiente para detectar mentiras, e, além disso, ele sabe que sempre fomos cúmplices um do outro.
Eu não quero falar com ele, pelo menos, por enquanto. – suspirou olhando as luzes da cidade pela janela e sentindo o vento noturno bater no seu rosto.
Não pode fugir disso para sempre. – ele afirmou.
Eu sinto muito Julian, não deveria pedir para você mentir para ele assim, afinal ele é o... – Ele a interrompeu rapidamente. Agora um pouco impaciente.
Mel, ele é o seu pai, nosso pai. – respirou fundo como se estivesse tentando não quebrar alguma coisa. – Mais cedo ou mais tarde vocês terão que conversar.
Eu sei. – sentiu lágrimas escorrerem pelo o seu rosto.
Eu gostaria de saber como posso ajudá-la, realmente.
Continue afirmando que não sabe nada sobre mim. Já é o suficiente.
Ótimo! Agora me fala o que realmente está incomodando você. – exigiu.
Humm... Como assim? Não está acontecendo nada.
Melody Angnel Guimarães, eu te conheço perfeitamente bem e sei quando está escondendo algo de mim. Fala de uma vez.
Certo. – limpou as lágrimas rapidamente e resolveu contar a verdade. – É o Victor, ele tem ligado bastante... ultimamente. – prendeu a respiração esperando a reação do irmão.
O que ele quer? Será que já não te fez sofrer o suficiente? – indagou numa misturas de sentimentos negativos.
Eu não sei o que ele pretende com as ligações. – declarou ela afirmativamente. – Eu não atendi a nenhuma delas.
Não se preocupe. Ele não vai voltar a incomodá-la novamente, eu prometo à você.
Como assim? O que você está planejando? – perguntou apavorada. Não deveria ter contado nada. – Juliano...
Fique tranquila, Melody. Só vou fazer o que qualquer irmão descente faria no meu lugar.
Tome cuidado. – pediu com a voz fraca pensando na confusão em que seu irmão poderia estar se metendo por sua causa.
Se cuida você, Mel. – ele ordenou. – Eu a amo, você sabe disso, certo? Não suportaria se alguma coisa ruim acontecesse à você. Vê-la sofrendo sem saber o real motivo já é bem complicado. – esclareceu com a voz um pouco mais suave, no entanto, a preocupação ainda se fazia presente.
Eu também amo você, Juliano. – sorriu ao falar. – Eu vou ficar bem. – prometeu.
Espero que sim, ou vou ser obrigado a ter que cruzar o Atlântico para me certificar disso e ver com os meus próprios olhos. – dessa vez Mel pode ouvir a risada sonora dele... Como estava com saudade desse som, pensou com tristeza.
Sem exageros. – revirou os olhos, e se despediu. – Até logo.
Até logo, e cuide-se!
A última coisa que ouviu da ligação foram apenas os ecos fracos dos “tuns” repetidamente. Depois de olhar por um longo momento para o céu estrelado, foi para a cama tentar dormir um pouco. Já passava das duas da manhã quando finalmente conseguiu.
Quando acordou pela manhã foi até o seu laptop e escreveu dois e-mails para os seus dois irmãos mais novos, e no da sua irmãzinha anexou um arquivo de áudio com a música que costumava cantar para espantar os seus pesadelos, até que ela conseguisse dormir profundamente e com tranquilidade. Depois disso decidiu aproveitar para se exercitar um pouco, tomou um banho e vestiu roupas leves de ginástica, e saiu para a rua. Os pensamentos a perturbavam.
O relacionamento entre ela e o pai nunca fora o que se poderia chamar de tranquila. Eles eram diferentes, como óleo e água, não possuíam um meio termo que pudessem chamar de compatíveis. Tinham sempre algo em que não concordavam, mas dessa vez ele havia pegado pesado. Então, numa decisão repentina, Melody arrumou suas coisas e saiu de casa, tendo como desculpa íntima de que precisava de um tempo só para ela. Talvez assim parasse de viver os sonhos de outra pessoa. Talvez essa fosse sua chance de se encontra, e descobrir de uma vez por todas, quais eram os seus sonhos.
Mas nunca imaginou que viver sozinha fosse tão difícil. Ela sabia que não podia ficar sem se alimentar direito, e se não fosse por Rodrigo ela não sabia o que poderia ter acontecido...
De repente foi surpreendida pela imagem deles dois parados, olhando-se fixamente... O que sentiu naquela ocasião foi algo indescritível. Fora um momento ímpar, seus olhos pareciam estar dialogando um com o outro, trocando segredos profundos. Naquele instante, Melody sentiu uma forte ligação entre os dois, uma ligação que deveria ser cortada imediatamente. De alguma forma seu olhar a perturbava, e Mel tinha medo de encontrar uma explicação coerente para o que sentia quando Rodrigo a olhava. Pois isso implicaria riscos que ela não estava disposta a correr novamente, mas ao mesmo tempo em que sua presença a deixava tensa, também havia algo de extremamente natural, novo. Agitou a cabeça rapidamente expulsando tais pensamentos. Foi aí que decidira parti para o plano da música alta e incompreensível.

Melody não tinha certeza de há quanto tempo estava correndo. Sentia-se cansada, com a respiração descompassada e a garganta seca. Olhou em volta rapidamente procurando por algum quiosque. Esse degaste físico certamente não era nada recomendado para alguém que não é tão fã de exercícios, nem para alguém que desmaiara há apenas alguns dias por falta de uma alimentação saudável.
Seguiu em frente e pegou o iPod para trocar de música já que estava sentindo-se bem mais tranquila, no entanto, neste exato momento, foi surpreendida por um frio desconfortável que percorreu por sua espinha, ela estremeceu. Logo em seguida, percebeu que havia alguma coisa errada. Era como se seu corpo tentasse avisá-la sobre algo. Ignorou a sensação e prosseguiu com a corrida, ao atravessar a ciclovia, sentiu novamente que algo não estava certo, mesmo assim não diminuiu o passo. O que fora um erro, pois no momento seguinte várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. Olhou para o seu lado esquerdo e viu que alguma coisa estava seguindo em sua direção, e antes mesmo que pudesse fazer alguma coisa, tudo começou a andar rápido demais.
A próxima coisa que viu, ou melhor, sentiu, foi o seu corpo sendo arremessado contra o chão frio. Melody tentou se mexer, mas sentiu o seu corpo inteiro tremendo, além do seu coração estar tão acelerado que parecia estar prestes a explodir. Não percebera que havia prendido a respiração, nem que estava de olhos fechados, até respirar e sentir os pulmões agradecendo, e ao abrir os olhos, aos poucos, percebeu que havia alguém sobre ela. Pouco antes de se dar conta do que havia acontecido, viu que dois olhos azuis a fitavam com intensidade e ansiedade. Lentamente os zumbidos que estavam tomando conta dos seus ouvidos – talvez devido à música alto que estava ouvido, ou ao susto. – foram se silenciando a sua volta. Ergueu os olhos e viu uma pequena movimentação de pessoas que vinham na direção onde ela estava. Olhou novamente para os tais olhos azuis e teve quase certeza de que os conheciam de algum lugar, só não conseguia se lembrar de onde.
Então, ainda sentindo-se atordoada e confusa, Melody ouviu o seu nome vindo de algum lugar distante, numa voz que também lhe parecera bastante familiar. Piscou os olhos rapidamente tentando encontrar o dono da voz, foi aí que se deu conta de que a voz não vinha de longe, mas, apenas alguns centímetros a separava dele. Melody encarou os olhos novamente, em seguida reconheceu-os, e a cada detalhe que compunha o seu rosto.
Rodrigo?! – sussurrou em surpresa.
Mel? Você está bem? – por um segundo, ela ficou em silêncio sem saber o que responder. Por que ele estava perguntando se ela estava bem se fora ele quem surgiu do nada a jogando no chão? E por que ele fez isso? Tentou encontrar uma solução, mas seus pensamentos estavam embaralhados. Foi quando outra voz surgiu em meio a pequena multidão que havia se formado.
Mel? Você bateu a cabeça? Está sentindo alguma coisa? Está doendo em algum lugar? – Caio perguntou assustando. – Quantos dedos têm aqui? – ela achou engraçada a forma como ele estava falando, mas não riu, principalmente porque ele parecia muito sério. Então tentando responder uma de suas perguntas mexeu um pouco o corpo para saber se havia se machucado ou não. Mas Rodrigo permanecia paralisado ainda sobre o corpo dela, ao perceber isso ele se afastou soltando um rápido “Desculpe!” murmurando. Ela estava sentindo dor, ou algo parecido com isso, em algum lugar, só não sabia muito bem precisar onde, então ficou em silêncio.
Olha, me desculpe. – outra pessoa surgiu a sua frente. – Eu... Eu não sei o que aconteceu. A bicicleta ficou sem freio e acabei perdendo o controle... – a outra pessoa que ela percebeu ser um homem começou a se explicar. Mas ela não estava entendendo nada. − E você surgiu do nada. Sinto muito, eu não queria machucá-la.
Balançou a cabeça tentando se livrar da confusão.
Vocês estão me deixando tonta. Eu estou bem. – reclamou e tentou se levantar, mas fora impedida por Rodrigo que a segurou pelos ombros de maneira gentil.
Eu tentei avisá-la, mas você não me ouviu... – ele olhou para o chão e cerrou os lábios. – Agora sei por que. – disse. Mel seguiu o seu olhar e seus olhos pararam no seu iPod que continuava tocando a mesma música ensurdecedora, e os fones estavam desconectados jogados em algum lugar. Era de lá que vinham os zumbidos, concluiu e corou ao ver que ele a observa. Depois de todo esse tempo, só agora notou de verdade no que havia se metido. Voltou alguns minutos no tempo e se lembrou que havia visto algo vindo em sua direção; uma bicicleta descontrolada. E no instante seguinte o seu corpo foi jogado no chão; Rodrigo a salvara de ser atropelada.
Suspirou silenciosamente o olhando. Meu her... Não ouse terminar a frase, ouviu uma voz gritar dentro da sua cabeça.
Acho que esse não é bem o seu tipo de música. – afirmou. – Tá planejando assassinar alguém? Ou cometer suicídio? – indagou com curiosidade.
Nenhum dos dois, só estava tentando derreter o meu cérebro mesmo. – afirmou tentando mais uma vez se levantar do chão, mas foi impedida novamente por ele.
Não se mexa, por enquanto. – ordenou. Nesse momento seus olhares se cruzaram, e ela se sentiu inesperadamente segura.
Eu realmente sinto muito. – o outro homem falou novamente, quebrando o contato visual dos dois. – Creio que eu deveria levá-la para o hospital.
Não! – exclamou rapidamente, na verdade quase gritou, atraindo os olhares de ambos.
Mas... Eu sinto...
Certo, já entendemos, você se sente péssimo. – Caio interrompe-o no meio da frase. Prosseguiu em tom sério, e um pouco ameaçador. – Pode deixá-la por nossa conta agora, podemos cuidar dela. Você já fez o bastante. – disse com certa rispidez no seu tom de voz.
Mel piscou rapidamente os olhos, procurando entender o comportamento exagerado de Caio, ele parecia sério demais, impaciente demais... Algo que não combinava muito com ele.
Não se preocupe, eu estou bem. – direcionou-se ao o homem a sua frente, tentou mais uma vez se erguer do chão, dessa vez Rodrigo não a impediu, pelo contrário, segurou-a fortemente pela cintura temendo que ela caísse. – É sério, a culpa foi minha por atravessar a rua sem prestar atenção quando deveria. – sorriu para tentar tranquilizá-lo. – Além disso, sem sangue, sem crime, certo? – disse erguendo as mãos em sua direção, onde não havia sequer um arranhão.
Eu sinto muito mesmo. – o homem falou novamente em tom suave, e sorriu. Seus olhos estavam fixos em Melody, e ele... piscou para ela? Não. Talvez ela estivesse vendo coisas, concluiu. Ele a olhou por um momento, e se retirou. Logo em seguida o pequeno grupo de pessoas dispersou-se.
Ele só sabe dizer isso?! – dessa vez foi a vez de Rodrigo demostrar sua impaciência e desagrado em relação ao rapaz que quase a atropelou.
Vocês dois querem parar de serem tão... rudes. – Melody reclamou. Ao tentar se afastar um pouco de Rodrigo, pisou firmemente no chão e se arrependeu logo em seguida. – Ai. – gemeu baixinho. Agora ela sabia qual a origem da dor que estava sentindo antes. Ela havia machucado o tornozelo. Quando levantou o pé para ver o estrago se desequilibrou com medo de forçar o tornozelo. – Argh... Droga!
Te peguei! – Rodrigo falou envolvendo seus braços novamente na cintura dela.
Olha só o quê uma bicicleta desgovernada é capaz de fazer. Já imaginou só se fosse uma moto? – perguntou em tom acusatório.
Hã? – Caio pestanejou sem entender.
Deixa pra lá. Com certeza ela bateu com a cabeça quando caiu. – Rodrigo falou afirmativamente.
Não bati coisa nenhuma. – rebateu a garota. – Além do mais, eu não caí, fui arremessada ao chão. – esclareceu sem desviar os olhos dos dele. – Você não tinha nada que se jogar em cima de mim daquela maneira.
Claro, ele deveria ter deixado o “cara sem culpa nenhuma” atropelar você, e deixá-lo posar de herói para que pudesse ter alguma chance contigo. – Caio falou em tom irônico, com um sorriso, mas não havia humor algum em seus olhos.
Hein? – ela perguntou com a testa franzida.
Ele estava descaradamente dando em cima de você. – Rodrigo objetivou.
Melody estava chocada.
Não sejam ridículos. – rebateu ela.
Ou você é muito ingênua, ou é cega. – Caio falou cruzando os braços.
Já que ela não viu a bicicleta, eu aposto na segunda opção. – Rodrigo afirmou.
Eu vou embora! – exclamou ela se libertando dos braços fortes de Rodrigo. Não precisava ficar ali ouvindo eles dois falarem coisas tão absurdas. O rapaz só fora gentil em se desculpar, quando na realidade não tinha absolutamente culpa nenhuma. – Ai! De novo não. – gemeu sentindo novamente a dor aguda no tornozelo.
Eu carrego você. – Rodrigo se aproximou novamente recolocando os braços ao seu redor.
De jeito nenhum. – retrucou tentando de libertar dos braços dele, mas fora inútil.
Quer parar de ser infantil, por favor?
Eu não estou sendo infantil! – defendeu-se ela, fitando-o com os olhos irritados.
Está sim. – Caio afirmou.
Ela os encarou severamente com os braços cruzados.
Qual é o problema de vocês dois, posso saber? – Mel perguntou indignada com o comportamento altamente exagerado de ambos. Ela não era mais criança, sabia se cuidar muito bem... Ou quase isso.
Você! – responderam em uníssono.
Ela não teve tempo de se opor a sugestão de ser carregada, foi surpreendida quando Rodrigo já estava a carregando nos braços.
Rodrigo! Isso é totalmente desnecessário.
Mel! Quer se comportar?
Ela ficou em silêncio enquanto eles seguiam de volta para casa, até ela perceber que algumas pessoas na rua olhavam para eles com curiosidade.
Isso é... Isso é tão... Urgh! Isso é ultrajante, humilhante e... Eu posso caminhar sozinha. – se desvencilhou novamente dos braços dele. Agora ela tinha que concordar que estava sendo um pouco infantil. Mas ser carregada até o prédio em que morava já era um pouco demais. – Ai! – gemeu novamente, e dessa vez algumas lágrimas vieram junto. A dor parecia estar aumentando.
Viu só? Você não está em condições de dar um passo sequer, muito menos sair andando por aí. Fique parada. – ordenou ele, dessa vez, ela obedeceu.
Mandão! – resmungou.
A culpa é somente sua por ser tão desastrada. – Caio falou seriamente.
Eu estava distraída, é bem diferente. – contrapôs ela.
Distraía tentando derreter o próprio cérebro. Sei. – Caio falou revirando os olhos e olhando para Rodrigo, que o olhou de volta e balançou a cabeça como se afirmasse alguma coisa.
Caio Cruz, cala essa sua boca agora, ok? – falou em tom desafiador. Eles apenas a ignoraram, e caíram numa gargalhada contida. – Vocês dois querem para de rir? Não é nada engraçado.
Tem razão. – a expressão no rosto de Rodrigo ficou séria rapidamente. – Isso foi imprudente, da próxima vez olhe por onde anda. – a analisou por um momento com os olhos estreitos. – Aliás, não vai ter uma próxima vez. – afirmou.
Chegaram ao apartamento de Melody alguns minutos depois, ela nunca tinha reparado que Rodrigo era tão forte. O rapaz não vacilara nem mesmo um segundo como ela mentalmente torcia para acontecer, assim poderia seguir o caminho até o prédio caminhando, ou mancando o que era mais provável de ter acontecido.
Não seria melhor levá-la para o hospital? Isso pode ser sério. – Caio sugeriu logo após Rodrigo colocá-la no sofá.
Não. Eu odeio hospitais, por favor, não? – implorou.
Tudo bem, acho que podemos lidar com isso. Vou ligar para a Dora. – Caio falou calmamente.
Dora? – Rodrigo e Mel perguntaram ao mesmo tempo, enquanto se entreolhavam confusos.
Estamos em paz, esqueceram? – Caio explicou rapidamente, levando o celular ao ouvido e indo em direção da cozinha. – Ela vai saber o que fazer.
Não demorou muito para Dora chegar, ela já estava no prédio, pois havia esquecido o celular na casa dos pais de Carol e fora até lá buscá-lo.
O quê eles fizeram com você? – Dora perguntou ao cruzar a porta e ver o estado de Melody, que se mantinha parada enquanto os dois rapazes a encaravam com os braços cruzados, talvez achando que ela fugiria a qualquer momento.
Nada de mais, só estavam se divertindo às minhas custas, sabe como é? Homens! – exclamou em tom de deboche.
Claro! – Dora falou olhando rapidamente para os dois e revirando os olhos. – A palavra “insensível” é pouco para descrevê-los. – sorriu.
Ei, nós estamos aqui, lembram? – reclamou Caio agitando uma mão no ar.
E não estávamos nos divertindo, estávamos preocupados. Você é que está sendo muito dramática. – Rodrigo retrucou.
É, mas ela foi supersimpática com aquele lá. – Caio debochou.
Quem? – Dora perguntou curiosa sentando ao lado de Melody.
Eles devem estar falando sobre o rapaz que quase me atropelou. – Mel comentou. Inclinou-se um pouco na direção de Dora e sussurrou: – O Caio e o Rodrigo acham que ele estava sendo... gentil demais.
Ah! – abriu um sorriso malicioso. – E ele era bonito? – perguntou deixando Melody sem reação por um minuto, mas depois de encarar a amiga percebeu qual era o seu plano maléfico. Resolveu entrar no jogo dela, seria divertido.
Ah, um pouco. – respirou e olhou de esguelha para os dois, que pareciam impacientes. – Sabe, uma mistura de Ian Somerhalder e Robert Pattison. – exagerou na descrição, na verdade ela não fazia ideia de como era a real aparência do quase atropelador, ela nem o olhara direito e estava um pouco tonta quando o fizera.
Nossa! – Dora também exagerou na reação. – Da próxima vez eu vou com você.
Você duas querem parar? – ouviu Caio reclamar.
Dora o ignorou e retirou o tênis e a meia de Melody com cuidado. Ela olhava e analisava o machucado como se fosse expert no assunto; com seriedade e atenção.
Então, como está o pé dela? – Rodrigo perguntou preocupado, antes que Mel o fizesse.
Foi só uma torção. Só vai precisar ficar de repouso por alguns dias, e colocar gelo para desinchar. – falou e olhou para Mel. – Mas você vai sobreviver. E aí vamos poder correr juntas. – sorriu, e Melody sorriu de volta.
Sem essa de correrem só vocês duas, é uma exercício muito perigosa. Vamos todos juntos. – Caio disse como uma solução final. – Certo Rodrigo?
Certíssimo! – Rodrigo respondeu sem hesitar.
Inevitavelmente, as duas caíram na gargalhada, enquanto os dois rapazes as encaravam gravemente ainda de braços cruzados.
Bom, ela está em boas mãos. – Caio falou repentinamente para ninguém em especial. – Eu já vou indo, depois eu volto para saber como você está. – olhou rapidamente para Mel e saiu em seguida. Dora franziu as sobrancelhas e olhou para Rodrigo, que parecia um pouco distraído.
Que situação ridícula! Primeiro um desmaio, e agora isso? Não quero nem saber o que ainda falta me acontecer. – suspirou olhando para o pé machucado.
Nem eu. – Rodrigo agora a fitava com insegurança, como se tivesse certeza de que algo mais ainda estava por vi. Os dois se encaravam sem sorrir. Dora pigarreou um pouco chamando atenção para si.
Acho melhor eu ficar com você hoje. – ela falou.
Ótimo. Eu também já estou indo, mas antes... – foi até a bancada da cozinha e trouxe consigo o iPod de Melody. – Eu fico com isso.
O quê? Por quê?
Vou apagar qualquer má influencia que exista aqui. Você já é um perigo sozinha, não precisa de trilha sonora. – seus olhos lampejaram rapidamente na direção de Melody. – E vê se não pula pela janela! – ela apenas respirou fundo, indignada, vendo-o partir com seu iPod sem poder fazer nada. Quem ele pensava que era para falar com ela dessa maneira? Inspirou lentamente para se acalmar.

• • • •

Algumas horas depois Mel e Dora se encontravam jogadas no sofá de frente para a TV. Enquanto assistiam a uma reprise de um filme antigo qualquer, com uma bacia enorme de pipoca entre as duas, além de um pote de sorvete de chocolate, conversavam e comentavam sobre o filme como velhas e grandes amigas, dando altas risadas com o ar cômico de algumas cenas.
O tornozelo de Melody parecia bem melhor, ainda sentia um pouco de dor, mas depois de três compressas de gelo tinha desinchado consideravelmente. No entanto, ela o olhou seriamente e suspirou com receio. Dora percebeu e falou:
É sério Mel, não foi nada demais. Digo por experiência própria, alguém tão desastrada como eu já teve suas doses de acidentes. – sorriu e começou a relatar os seus acidentes, contando nos dedos. – Como, por exemplo, uma perna quebrada, um pulso torcido, alguns arranhões e vários galos na cabeça. E eu estou viva, não estou?
Não é com isso que estou preocupada. É em como vou contar para o meu irmão. Ele vai pirar, sem dúvida. – falou fitando o nada. – Em menos de vinte e quatro horas de ter prometido me cuidar, isso me acontece. – respirou fundo. – Ele é meio super protetor, sabe? E, às vezes, excessivamente cuidadoso comigo.
Dora não fez nenhum comentário, apenas continuou assistindo ao filme em silêncio, mas não parecia prestar muita atenção.
Ele estava um pouco diferente hoje, não acha? Parecia um pouco triste, incomodado. Ele nem tentou implicar comigo. Tudo bem que prometemos ficar em paz, mas, é estranho. – Dora comentou chamando a atenção de Mel.
De quem você está falando?
Do Caio. – mordeu o lábio inferior. – Deixa pra lá, deve ser só impressão minha. Afinal eu não o conheço tão bem assim.
Vendo a expressão de Dora, Mel falou:
Ninguém é feliz o tempo todo, Dora. Todos nós temos fantasmas escondidos em algum lugar. Arestas soltas que não temos certeza se devem ser reparadas para não causar mais dor. Tenho certeza de que não é diferente para ele, ou para você, ou para o Rodrigo, ou para mim... ou até mesmo a Bianca. – suspirou pensativamente. Sua colega de trabalho era divertida, espontânea, tagarela... Mas, Melody sentia que ela não era tudo isso realmente. Às vezes parecia que ela lutava constantemente para ser aceita pelas outras pessoas, como se precisasse sentir que era querida... amada. Foi à essa conclusão que chegou ao ver o modo explicito como ela se jogava em cima de Caio e Rodrigo. – Viver não é tão fácil afinal. – a encarou e sorriu. − Além disso, ele pode ter apenas acordado de mau humor hoje. Não fique tão preocupada, certamente amanhã ele volta a pegar no seu pé.
Dora sorriu.
Claro. Quero dizer, não é o que eu quero... Por que estávamos falando sobre ele afinal? Esse filme parece bem mais interessante. – Dora tentou desviar do assunto.
Melody reprimiu um sorriso.
O Caio é legal, se ele vive tentando provocar você e obtendo sucesso com isso, deve ter um motivo. Ele parece ser bem mais maduro do que deixa transparecer, pelo menos é o que penso. É inteligente, engraçado... e um excelente cozinheiro. – riu suavemente. – E pelo o que pude perceber hoje, também tem um lado sério e autoritário.
Você fala dele com... admiração. – Dora baixou os olhos encarando o chão.
Isso a incomoda? – Mel perguntou momentaneamente preocupada com a reação de Dora.
O quê? É obvio que não. – riu um pouco nervosa. – Por que me incomodaria? O Caio é irritante. Mas quando quer consegue ser aturável, não sei. – respirou fundo. – Talvez admirável, suportável... enfim. E o Rodrigo? – indagou de repente.
O quê é que tem ele?
O que você acha dele? Quero dizer, ele parece bem mais maduro do que o Caio, e, além disso, parece se preocupar bastante com você.
Ele está se mostrando um grande idiota mandão, isso sim. – declarou irritada, olhando fixamente para a tela da TV, sem prestar atenção realmente no que via e colocando uma boa quantidade de sorvete na boca. Subitamente ouviu Dora gargalhar, mas não havia nada de engraçado na cena do filme. Olhou para a amiga e frangiu a testa, desconfiada vendo que ela a encarava. – Por que esta me olhando assim?
Entendi. – falou apenas e permaneceu sorrindo. Mel não entendeu a resposta dela.
Entendeu o quê?
Nada, Mel. – voltou a encarar a TV comprimindo os lábios. – Absolutamente, nada!
Melody balançou a cabeça em descrença. Talvez as pessoas dessa cidade fossem um pouco loucas.
De repente ouviu alguém batendo na porta, ela olhou rapidamente para o pé que estava sobre uma almofada e praguejou mentalmente. Dora ia se levantar quando foi impedida por Melody, que segurou com firmeza a mão dela.
Shhhh... – colocou o dedo sobre os lábios pedindo silêncio e baixou o volume da televisão. Dora apenas fez o que ela pediu franzindo as sobrancelhas, confusa.
Mel tinha mais ou menos uma ideia de quem se tratava, e como ainda estava sentindo-se um pouco irritada por tudo o que acontecera, resolveu que seria melhor não vê-lo. Ou seria capaz de atirar a primeira coisa que encontrasse na direção dele. Se estivesse em condições apenas bateria a porta na cara dele.

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