15 de novembro de 2013

Capítulo 35 - Sentimentos e Surpresas

Caio começou a se lembrar de seus aniversários em casa, seus pais nunca se lembravam, seus irmãos com 14 e 10 anos de diferença tinham outras coisas na cabeça. Ficava totalmente esquecido e se refugiava no piano tocando para si e pra Deus, com o tempo ele passou a gostar desse privilégio de comemorar seu aniversário apenas com Deus, embora a indiferença doesse um pouco.
Agora ele tinha uma nova família em 4 Rios, seus amigos e seu melhor amigo seu irmão de fé faria 20 anos ele precisava de uma festa e essa galera precisava de uma união, incluindo o carcamano do Juliano. Teve a brilhante idéia de fazer um bolo surpresa e não por acaso convidar a irmã de seu amigo para ajudar.
Eles fizeram o bolo e uma tremenda bagunça na cozinha de Seu Pedro, o velho homem os deixou dormir ali devido a tempestade que caíra os desabrigando momentaneamente. Dora estava apreensiva de ficar ali com ele. Então ele fez dezenas de piadas toscas para distraí-la até que pegasse no sono. Quando ela adormeceu ele ficou olhando para o seu rosto delicado, tirou-lhe os óculos e a cobriu docemente, deu um salto ao ouvir o seu celular tocar. Era Tadeu seu irmão mais velho.
- Caramba que quem é vivo sempre ressurge. – falou assim que atendeu.
- Foi você que saiu de casa e não liga mais pra família.
- Olha quem fala! Como estão minhas meninas?
- Me enlouquecendo isso sim, uma não sai de cima do skate e a outra vive cercada de garotos que eu ando ameaçando de morte.
- Como assim? Quero falar com elas!
- Saíram com a mãe. To ficando careca.
- Desde os 20 né Tadeu!
- E foi com você que perdi a maioria dos fios! Como tá mano? Sem encrencas e encrenqueiras espero.
- Sim. – falou ele observando Dora dormir e se afastando.
- Tem mulher aí? Caio, você me prometeu aquela noite que ia sossegar. Te encontrei podre e torto de bêbado naquela boate e tive que colocar você no quarto dos fundos pra não assustar as meninas, não ia te deixar em casa, porque se não a mãe infartava!
- Eu sei, Tadeu!
- Foi uma sorte ter se livrado da Luiza, não apronta de novo não. Sei que a cidade é grande, tem muita mulher bonita, mas pega leve ou melhor, não pega nada, nem filho, nem doença.
- Tá exagerando, mano!
- Não tô não. Maria tá grávida, agora não vai me sobrar mais nada de cabelo na cabeça. 
- Eu vou ser tio de novo!
- É vai. Fica orando porque não estamos nada bem e com a gravidez vem a sensibilidade dela e a minha falta de sensibilidade tá destruindo a relação. As meninas na pré-adolescência... to enlouquecendo, então te aconselho aproveita a vida antes de assumir responsabilidades, Caio.
- Entendi, manda um abraço para as meninas e para a Maria. Tenho que ir. – falou ele desligando vendo que Dora estava se mexendo e a conversa podia estar incomodando.
Ficou pensando no que Tadeu dissera, ele fora um rapaz bem confuso e desregrado no passado, era uma marca que estava ali. As noites em boates, mulheres e álcool depois que Luísa o deixou foram constantes. E ao ver a decepção nos olhos do irmão resolveu que precisava melhorar. Voltar a buscar Deus, de quem ele não tinha notícias fazia tempos. Foi doloroso reconhecer-se tão sujo e mal.
Agora ali observando Dora, sabia com mais certeza do que nunca, estava longe de ser perfeito pra ela. Bem longe.
Na manhã seguinte uma novidade caiu como gelo nas costas de todos. Mel e Juliano haviam desaparecido sem rastros, nem pistas, magoando tanto Dora quanto Rodrigo em proporções diferentes. Dora queria animar o amigo, ele daria o apoio necessário, porém ao passar na Luteria encontrou duas visitas inesperadas, sua prima com a filha nos braços lhe pedindo ajuda com a menina por uma hora ou duas ela tinha uma entrevista de emprego pra fazer.
- Eu sei que deve estar chateado por eu não ter deixado você ficar no apartamento e nem procurei saber se você tinha se arranjado depois. Bom, você é homem, né? Desculpa estou fazendo tudo errado. Preciso que fique com a minha filha por algumas horas, tenho que resolver um problema sério e o pai dela foi procurar emprego. Por favor, Caio! 
- Tudo bem, eu vejo o quanto isso está sendo difícil pra você. Me dá ela aqui e não se preocupe comigo, estou muito bem instalado com um amigo e não guardo rancor algum.
- Se a maioria das pessoas fossem assim... – disse ela com um sorriso triste passando a mão pelos cabelos e deslizando a alça da bolsa dos ombros e entregando a ele. – Toma tudo o que ela precisa está aí. Ela é bem tranquila não vai ter problemas.
- Espero que não. Ela é linda.
- Meu maior presente. Tchau filha, mamãe já volta. Obrigada Caio.
Caio levou a pequena para o apartamento e encontrou Rodrigo entrando no elevador com cara de poucos amigos e ficou muito surpreso de ver Caio com uma criança alheia nos braços.
- Que bom que te encontrei Rodrigo. Segura ela um pouco vou procurar um brinquedo na bolsa.
- Que criança é essa Caio? – ele a pegou meio sem jeito a menina o encarou por alguns segundos e foi parando de chorar. Caio continuava sua busca desesperada por uma chupeta quando ouviu que a pequena parara de chorar e olhou para os dois.
A bebê encarava Rodrigo e de repente ela colocou as duas mãozinhas no rosto dele e fez um carinho e o abraçou.
- E é isso que eu chamo de Graça. Um abraço voluntário de uma criança, sem que a gente mereça ou faça alguma coisa. Acabou de ser abraçado por Deus meu amigo, coisa linda. E ela parou de chorar deve gostar de você. Achei a chave pelo menos. Vem. – ela aninhou a cabecinha no ombro de Rodrigo se aconchegou e pôs o dedinho na boca, e foi fechando os olhinhos.
Rodrigo entrou com ela nos braços quase adormecendo, não parava de olhar pra ela e pensar nas palavras de Caio. Sem que mereça ele recebia daquele pequeno ser tanto afeto e carinho que o constrangia, pois ele se negara a dar esse mesmo carinho a ela. Segundos antes quando a pequena o encarava, ele pode ver claramente seus traços no rosto dela, identificou os olhos azuis, os cabelos pretos cacheados a bochecha rosada e a pele alva aquele cheirinho tão doce e delicado. Algo se inquietou dentro dele ao vê-la se aconchegar nele com tanta confiança. Embora soubesse que ela fizera aquilo por estar relacionando a imagem dele a de seu pai, seu irmão, seu coração se encheu de ternura e a envolveu em seus braços como se fosse dele aquele pedacinho de gente. Ele conseguia se ver no futuro, ajeitando a mochila em suas costas, dando laço em seu cadarço e dando a mão para a pequena atravessar a rua, ele podia se ver fazendo cócegas nela para que lhe mostrasse os primeiros dentes que perdera. Vê-la pular amarelinha e fazer dele seu cavalinho particular. Ele se via na vida dela e não queria nunca pensar em se separar daquele anjo que acabara de lhe mostrar que o amor e o perdão estavam a um toque de Graça e misericórdia divina, num abraço voluntário de uma bebê, não qualquer bebê, era sua sobrinha e definitivamente ele queria fazer parte da vida dela. 
- Pelo visto não sou só eu que se dá bem com crianças. Vamos pôr ela na cama, já dormiu. Vou ajeitar uns travesseiros pra ela não cair. – falou Caio olhando para Rodrigo pensou ter visto lágrimas.
- Ela é linda, não é? – disse Rodrigo a colocando deitada com todo o cuidado sem tirar os olhos dela e fungou baixo.
- O que houve, cara?
- Ela... ela é minha sobrinha.
- Não. Ela é filha da minha prima Priscila.
- Priscila Rebeca?
- É ela não gosta que a chamem assim, mas... Pera aí? O Robson marido dela é teu irmão? Bem que achei ter notado uma certa semelhança com alguém. Meu Deus! Então ela era a sua... Uau! Pesado essa história.
- Acho que não mais. Isso muda tudo e muito. Obrigado Caio por me fazer ver o que é graça. Num pedacinho de gente eu encontrei todas as respostas sobre o amor que transforma. É constrangedor, ser amado sem fazer nada pra merecer e é irracional recusar ser amado assim. Eu quero minha família de volta. Reconstruir esses laços perdidos. Já chorei bastante tá na hora de ter sorrisos.
- Muito bom saber disso. Pelo menos algo de bom no seu aniversário rapaz. Minha priminha é sua sobrinha!
- Pois é, e quero melhorar isso, quando for levar ela pode pedir que Rebeca e Robson nos encontrem naquela cafeteira próxima ao parque? Acho que preciso ter minha família por perto.
- Claro irmão e eu não perderia isso por nada.
- Vou tomar um banho e encontro vocês lá.
....

Foi tão rápido como as coisas ocorreram, entre os irmãos Evanz se acertarem num abraço longo e apertado e Augusto aparecer com sua nova família causando mais dor a Dora do que um reconciliar, ter que sair atrás dela junto com Rodrigo e consolá-la. Nada lhe chateava mais do que ver sua garota favorita sofrendo e pra Rodrigo esse peso era 2, amiga e irmã.
Ela voltou ao normal e com uma nova postura e atitude, decidida a dar rumo em sua vida e na sua história. Saiam juntos com seus documentos quando ela se acidentou dando de cara no poste o susto que ele levou fez seu instinto protetor aparecer e ergue-la nos braços e levá-la ao local seguro mais próximo e foi a Luteria.
Seu Rafael sempre falando demais mencionando Luísa e Mel. Foi indiscreto o suficiente pra cutucar e instigá-la a dançar com ele enquanto tocava. Ele não resistiu o momento de tê-la novamente em seus braços e dançou com ela ali em plena luteria. Olhando naqueles olhos a verdade não poderia ter saído mais expressa e espontânea. Com as palavras de Tadeu na cabeça sabia que tinha de ser honesto com ela. Não queria um jogo, não com ela, jamais. Ele sabia o que era atração, paixão e loucura. Conhecia bem as consequências de se jogar com os sentimentos de alguém, e não jogaria nem com os seus nem com os dela.
A recompensa por tamanha coragem e honestidade, foi um doce e cálido beijo despretensioso de Dora em seus lábios, algo que mais inquietou do que apaziguou seu espírito. Ela era diferente e beijá-la novamente o fez desejá-la ainda mais novamente e fez seu coração levemente dançar, como dançou seu sorriso assim que ela o deixou.
....
Revê-la foi sobressaltar-se ainda mais. Ao abrir a porta do apartamento e vê-la ali olhando pra ele com aqueles olhos também surpresos e ansiosos. Ele a beijaria ali mesmo se pudesse e se não tivesse a mínima noção que Rodrigo estava por perto e que definitivamente chegara a hora da verdade para ambos. Devia se conter e racionalizar, lembrar-se mais da voz de Tadeu em sua mente. A notícia de que eram irmãos pegou Dora de surpresa e ela ficou transtornada. Mais um choque pra enfrentar, ele sabia que ela se ergueria, ele tinha plena ciência da força dela. Ela era capaz de perdoar e compreender que o segredo guardado não pertencia a Rodrigo e nem fora ele quem fizera mal algum a ela, era mais uma vítima e precisava do apoio dele tanto quanto ela.
Caio recebera um telefonema de Luísa e saira para atender no corredor deixando os irmãos se entendendo no apartamento.
- O quê? Um coquetel? Não, Luísa, de jeito nenhum eu vou!
- Por favor, eu não tenho acompanhante, não quero ir com quem me convidou. Quero ir com você e pega mal eu ir desacompanhada.
- Luísa eu não gosto desse tipo de festa, vou me sentir muito incomodado com essa pompa toda.
- Preciso que me ajude, por favor.
- Ok, Luísa eu vou.
Dora estava abrindo a porta quando ouviu esta última parte, fingiu não ouvir sorriu para ele e o chamou para entrar.
- O almoço tá pronto. Preciso sair agora, recebi um telefone para uma entrevista de emprego. Não sei como aconteceu tão rápido. Bom, eu não posso me atrasar então já vou. Até mais.
- Dora, ainda vamos conversar?
- Claro! Até! - falou ela casualmente saindo de perto dele e respirando fundo se sentia ridícula por ter lhe beijado, ele ainda falava com Luísa e ia vê-la.
....
Thaís estava um tanto apreensiva, fizera bem o seu trabalho de casa. Sabia o que Dora fazia ou deixava de fazer. Sabia que precisava de um emprego decente. A secretária ligou dizendo que ela chegara, se olhou no espelho e foi para a sala de reuniões em anexo. Percebeu que Dora a usando saia lápis branca, batom berinjela, cachos ousados e blusa de seda de poá preta calçando um Louboutin. 

Thaís sorri para ela com aqueles dentes de comercial de creme dental, e nota que ela a reconheceu da cafeteria. Thaís não podia estar mais satisfeita com o seu achado. Sabia que teria que lidar com Luísa mais tarde, mas estava diante da oportunidade mais lucrativa de sua vida e não perderia tempo.
- Dora, que bom vê-la.
- É... estou um pouco confusa aqui. Isso é entrevista de emprego?
- Sim! Na verdade tenho uma proposta irrecusável pra você.
- Pra mim? Auxiliar de escritório, almoxarifado, posso fazer essas coisas.
- Não querida eu não lido com essa parte. Meu negócio é moda e beleza.
- Mais perdida eu me encontro.
- Achada. Você é o meu achado favorito. Dora, preciso do seu rosto. Ele é exatamente o que tenho procurado para a campanha publicitária.
- VOCÊ ESTÁ ME ZUANDO? SÓ PODE!
- Calma que eu não brinco com dinheiro. Meu cliente recusou todas as modelos do nosso casting, minha sócia queria a sua amiga a Mel, mas esta é mais um rosto comum entre tantos, ela é mais do mesmo do que temos em catálogo. Você tem audácia nos olhos, Dora, bem ao estilo Cara Delevingne e Kate Moss.
- Não conheço essas duas.
- Cristo eu vou enfartar! Tudo bem. – Thaís respirou e olhou pra ela. – Você não almeja ser notada, linda, fazer com que o homem de seus sonhos fique louco por você e não tenha olhos pra outra mulher. Não cansou desse estilo simplista que não nota e nem é notada.
- Hei! Se sou tão pouca coisa assim, porque me quer?
- Porque eu tenho o talento de uma fada madrinha e obstinação de bruxa! Tudo o que toco vira ouro e você é meu passaporte para a promoção e reconhecimento. Vai ter tantos benefícios, um salário maravilhoso, roupas, viagens, salão e maquiagem a sua disposição. Conhecer gente famosa. E só precisa me deixar fazer o meu trabalho te deixando incrível. Não dá pra cuidar de criança a vida inteira e quem tem uma proposta tão boa aos 18 sem nenhum esforço, apenas tropeçando, sem querer, na pessoa certa? Sou resposta das suas mais angustiantes orações, vai dizer que não?
Dora pensou em Luísa, em como se sentiu ao ver o modo como Caio olhava pra ela. Pensou em como Mel atraia facilmente a atenção dos homens. Ela adoraria se sentir poderosa assim pelo menos uma vez. Não se sentir um saco de lixo perto de Luísa. Ver Caio decidir-se por ela e só por ela sem nenhuma dúvida, mas acima de tudo queria se sentir bem consigo mesma, sem piadas em torno de si mesma para disfarçar a dor da rejeição por ser desastrada, quatro olhos e sem graça. Ao menos faria algo por si mesma e teria um emprego, seria remunerado.
- Feito! Onde eu assino?
- Hum...perfeito! – falou Thaís batendo palmas de contentamento.
....
- VOCÊ FEZ O QUÊ? – gritou Luísa para Thaís.
- Calma. – falou Thais lixando as unhas sem nenhuma alteração na voz.
- Você contratou a Dora como a modelo da campanha. Você nem sabe se o cliente vai aprovar. Você quer transformar a garota que está tirando o Caio de mim em uma linda super modelo! Se eu te tivesse como inimiga não teria tanto prejuízo!
- Ah teria! Com certeza um que não se pagaria em vida. Sabe que quando eu sou boa eu sou maravilhosa e quando má eu sou um show da Broadway. Gosto de dinheiro e vi seu desespero ao tentar contratar a filha de sua amiga morta. Pelo amor de Deus, um rosto comum no nosso casting, seria reprovada de cara. Enquanto isso o diamante bruto despencava bem aos meus pés. Eu vi nos olhos dela a inocência e o desespero necessário para aceitar e além do mais ela tem um “je ne sais quoi” (eu não sei o que é) que faz toda a diferença entre uma modelo comum e algo totalmente fresco e novo. Problemas pessoais a parte ela estará tão ocupada nos fazendo ricas que não terá tempo para o seu galã. E você para de dar uma de boa moça e corre atrás do que quer que eu atraso o lado dela.
- Não quero que faça nada pra prejudicá-la Thaís.
- Sim, que malvada eu seria transformando-a em uma diva. Faça-me o favor, Luísa. – falou Thais se levantando indo pra sua sala, deu meia volta arqueou a sombrancelha e perguntou - Conseguiu companhia pra o coquetel?
- Sim, o convenci a vir comigo.
- Bom, neste caso foi um tiro no pé, será a estréia da minha obra prima. O cliente estará lá.
- Eu mereço!
- Sim, um belo vestido Dior e uma produção impecável! Vou começar meu trabalho te vejo em dois dias.
...
Caio não conseguia encontrar com Dora, mel continuava desaparecida e Dora estava estranha, chegara da entrevista com um sorriso triunfante e disse que teria alguns estágios nos próximos dias e que ficaria ocupada e não daria para estudarem. Porém, essa ocupação era tanta que ele não a via chegar e nem sair de casa. Sexta-feira Luísa deixara um terno digno pra ele usar na Luteria, eles se encontrariam lá para o coquetel. Ele ensaiou diversas desculpas pra não ir, mas foi impossível escapar. Queria tanto ver Dora antes disso, falar com ela. Encontrou Rodrigo todo arrumado também saindo num táxi, não deu pra falar com ele, ligou para o amigo e caiu na caixa postal ele deixou recado: “Me liga! Vou sair e volto mais tarde.” Quando Luísa apareceu num vestido verde esmeralda foi como se tivesse levado um soco no estômago decidiu que não entraria naquele carro e ia correndo dali até Ramos. Respirou fundo e pensou em alguma piada ou qualquer outra coisa e evitou olhá-la nos olhos. Hoje ela sabia exatamente o que queria e ele também sabia o que era.
O lugar era como ele imaginara, cheio de gente elegante e bem vestida, um mundo tão diferente da fazenda e embora ele preferisse a terra, entendia porque ela se encantara com tudo aquilo. A música ambiente era boa, vários casais estavam na pista. Ela deslizou sua mão sobre a dele e o pôs de pé.
- Hoje você dança comigo. – falou decidida atraindo-o com o olhar.
- Luísa...
- Só aproveita a noite e se diverte um pouco.
Ele trancava o maxilar o que o deixava ainda mais másculo, era uma saia justa, era o acompanhante dela, ele costumava estar mais seguro em ambientes mais familiares. Aquilo definitivamente não fazia parte de seu mundo.
Thaís dava as últimas coordenadas a Dora.
- Muito bem, eu nem acredito no que fiz. Você é ainda mais perfeita do que eu imaginava!
- E hétero eu sou hétero.
- Eu também e por isso você irá acompanhada de um de nossos modelos, farão um casal digno, mas ele não abafara seu brilho jamais.
- Eu estou nervosa, sem os óculos escorregando na minha cara eu não vou ter com o que ocupar as minhas mãos.
- Usa essa bolsinha e a outra mão, você dá ao David. 
- Quem é David?
- Você está me ouvindo Dora? É o seu acompanhante. David vem cá!
Entra um negro alto lindo com sorriso esguio e travesso de menino que fez Dora temer por um instante.
- Ei fica fria, você está comigo garota e eu sempre protejo minhas garotas.
Ela não sabia se fora o modo jocoso como David dissera ou seu sorriso, mas isso a tranquilizou.
- O cliente a verá e ele mesmo vai dizer onde e quando assinar o contrato. Estou ansiosa por este momento.
Na pista de dança, Caio se via cada vez mais envolvido pela beleza irresistível de Luísa, seu perfume e tudo mais embaçavam sua visão periférica e objetiva. Ela pôs a mão em sua nuca e se aproximou mais dele enquanto dançavam.
- O que está fazendo Luísa.
- É oficial eu estou seduzindo você.
- Isso é injusto...
- Shh... calado! – ela aproximou seus lábios e o beijou, ele correspondeu beijando-a ardentemente, porém em sua mente ele via algo nublado se formando e de repente num susto viu o rosto de Dora.
- Luísa... não. Isso não tá certo.
- Somos solteiros o que há de errado. 
- Eu não sei, mas não é disso que precisamos agora.
- Ai meu Deus! – falou ela vendo Dora descer com David as escadas, Caio não via por que estava de costas. 
Dora encontrou os olhos assustados e admirados de Luísa olhando para ela e por dentro se sentiu satisfeita de vê-la com outro homem e de estar bem acompanhada por David, não era só Luísa que a observava, vários pares de olhos no salão estavam fitos nela, quando relanceou os olhos novamente para Luísa seu coração parou. Era Caio ao lado dela e de braços dados com ela olhando fixamente em sua direção pulando dela para David e ainda sim sem piscar. Era impressão sua ou ele também não respirava.
Ela trajava um vestido amarelo claro com decote nas costas, o cabelo estava anelado e com mechas iluminadoras que acentuavam o dourado de seus olhos que nunca pareceram tão vivos, usava um brinco comprido que descia pelo pescoço e parava na altura do ombro nu. Um homem mais velho se aproximou da escada e a pegou pela mão.
Caio parou mesmo de respirar. Afinal quem eram aqueles homens cercando Dora, acreditaria facilmente que era uma gêmea se não tivesse visto ela o reconhecendo...ao lado de Luísa pensou com pesar baixando os olhos, quando voltou a olhar o homem a tinha levado para uma sala reservada.
- Não! Pra onde ela foi? – falou Caio em desespero.
- Calma, Caio eu te explico. – falou Rodrigo um tanto contrariado ao vê-lo com Luisa, mas aliviado por Dora estar fazendo algo por ela mesma independente de tê-los vistos juntos. Era mais forte do que pensava e nisso Caio estava certo.
- Rodrigo? Você estava aqui o tempo todo? – surpreendeu-se Caio que não contara que iria sair com Luisa e sabia que o amigo não aprovaria.
- Não, eu me atrasei porque queria me certificar de fazer as coisas certas, revisei o contrato antes com um advogado. Vim apoiar minha irmã, mesmo não gostando da idéia, faço isso por ela. Espero estar errado e que ela não esteja tão perdida quanto eu acho que está. Aquele homem que a levou é o ...
- Meu chefe! Bruno Soares. – falou Luísa irritada, mas tentando não parecer. – Dora foi contratada pra ser a modelo de uma campanha muito importante pra mim.
- E foi por isso que você me convidou? Pra vê-la daquele jeito ou para que ela nos visse juntos?
- Não foi nada disso Caio e afinal de contas o que vocês dois tem? – perguntou Luísa impaciente.
- Nada! Agora nada mesmo. Ai... como eu sou idiota, eu preciso sair daqui.
- Sim, você é um idiota. Quanto a Dora de verdade amigo. Esquece! – falou Rodrigo seco e firme.
Caio saira devastado pelo salão. Quando se aproximava da porta a viu Dora sendo anunciada e cercada por fotógrafos e astros de tv, tudo mudaria para sempre, ele a viu sorrindo cintilando como seus brincos dourados e seus olhares se cruzaram. Alguma coisa ainda permaneceria? Pelo menos aquele sorriso que ele tanto amava. E será que era só o sorriso?

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 renata massa