26 de junho de 2013

Capítulo 15 - Apenas bons amigos, pode ser?

Por Lidiane Arsenio

Foi uma semana corrida e louca, bem vivida e muito bem aproveitada no gosto de Caio. Fizera novos amigos, conseguira um emprego. Quando chegara na loja com Rodrigo já haviam preenchido a vaga e seu Rafael adorou o jeito de Caio, que apesar de divertido conseguia ser extremamente interessado no serviço. 

– Menino, você vai longe. Tem gosto por aprender, uma curiosidade natural.
– Assim, espero seu Rafael! Onde ponho essa caixa?
– Não é uma caixa, é um cajón. Não conhece esse instrumento?
– Não tinha visto que era um. - Caio olhou encantado para o instrumento de percurssão.
– Sabe tocar?
– Alguma coisa, meu lance é harmônica.
– Temos tempo. Vamos fazer um som, me acompanha no velho piano?
– Só se for agora.
– Vou cantar uma de minha terra.
– Não é brasileiro?
– Sim, há muitos anos, mas nasci e fui criado em Havana Vieja, Cuba. Sai de lá aos 19 anos. - Rafael sentou-se respeitosamente sobre o banquinho e começou a pulsar suas mãos sobre o couro. Soavam como batidas apaixonadas de um coração. 
Caio começou a dedilhar um tempo depois absorvido pelo pulsar e o tempo certo daquela velha canção que impulsionava o velho músico. Ele desconhecia a letra, mas jurava ver lágrimas no canto de seus olhos, e ele podia sentir que ali havia uma história entre as batidas e as canções. Uma voz tão carregada de histórias e sentimentos, os sentimentos de um velho cubano. Os dedos de Caio eram ágeis e dóceis sobre as teclas. Dentro do antigo ateiliêr, uma melodia profunda dava início a uma bela amizade.

– Hoy, miro a través de ti, las calles de mi Habana (hoje vejo a través de ti, as casas de minha Havana)
Tu tristeza y tu dolor, reflejan sus fachadas, (Tua tristeza e tua dor refletem em suas faixadas)
Es tu alma y soledad, la voz, la voz de esta nación (é a tua alma e a solidão, a voz, a voz desta nação cansada)
Cansada
Solos tu y yo, en la ciudad dormida (somos tu e eu, na cidade adormecida)
Solos tu y yo, besando las heridas (somos tu e eu, beijando shas feridas)
Hay Habana (Ai Havana!)

– Essa canção é linda, seu Rafael. Entendi alguma coisa.
– É um sofrimento cantado. Não é fácil partir de sua pátria. Ficar tantos anos longe e sem poder voltar. Cheguei aqui com a sua idade, mas vamos melhorar o clima nesse lugar. Vou colocar umas músicas mais animadas aqui. Se você quiser conhecer um pouco mais de Cuba, temos um baile cubano há umas 3 ruas daqui. Todos no bairro são descendentes de cubanos ou nativos como eu. E é lá que matamos a saudade de nossa terra compartilhando nossas histórias.
– Oh! Parece muito bom!
Trabalhar com Rafael ouvindo musica rancheira, um ritmo novo que ele quase não conhecia, lhe abriu os olhos pra novas inspirações musicais, outras “harmonas” lhe viam a cabeça e meio sem querer lhe vinha uma musa morena ao que ele prontamente rejeitou a idéia. “Caio este não é o objetivo! Para por aí!” pensou e voltou ao trabalho.
Durante aquela semana Carol descobriu seu número de celular e lhe ensinou a mexer na internet e agora ele não tinha paz. A menina lhe mandava várias mensagens via um aplicativo de mensagens. O bom de tudo isso e que ao ensinar a ele, ele repassou isso pra Dona Lurdes que agora tinha mais acesso ao filho.
– Meu Deus! Carol, você me manda mais mensagens que minha mãe. O que foi dessa vez?
– Saudades! Você e a Dora parecem que não podem se ver que dá rolo.
– “Rolo”?
– É, confusão, briga.
– Tudo bem, eu prometo não brigar mais com a sua babá, ok?
– Eu acho divertido! - riu-se a menina e ele adorava a risada gostosa dela.
– Eu também, só não conta pra ela, tá?
– Tá certo. Vou lá que minha mãe tá me chamando. Tchau!
– Tchau. - falou ele pro telefone já desligado, ela sempre fazia isso.

Já estava na hora de fazer as compras para o jantar na casa da Mel. Desceu pra ir com ela comprar as coisas. Quando chegou a porta de seu apartamento ela estava pronta, de cabelos presos como Dora costumava usar, o tempo estava mudando lentamente e o casaco leve que ela usava era prudente. "Mulheres tendem a sentir frio demais", pensou ele.
– Pronta?
– Estou. Dora mencionou que você gosta desse tipo de programa. Mas quero lhe dizer que eu sei comprar as coisas, viu?
– Eu sei que sabe eu gosto de sair e ver gente. Vamos.
Eles chegaram e ela percebeu o que Dora mencionara sobre ele ao telefone. Falava com todo mundo como se os conhecesse. Enchia o carrinho de itens variados de temperos.
– Hummm, olha aquilo lá? - falou ele apontando e já a fazendo andar rápido pra alcançar aquelas pernas compridas.
– O quê? - perguntou ela sem entender pra onde o estava seguindo.
– Gôndola de degustação. Vamos!
– Eu não! Esses produtos de teste podem ser horríveis, além do que não sou cobaia de ninguém.
– Pois eu, nascido e criado na roça, correndo atrás de capivara, andando pelado e descalço pelo mato, tenho anticorpos suficientes.
– Você é louco! - falou ela rindo dele aceitando o doce da moça e enfiando na boca.
– Nham! Você devia experimentar é uma delícia.
– Não, obrigada.
– Então, eu tinha pensado em um prato elaborado e bem gostoso com queijos diversos.
– Ai eu amo queijo! - suspirou ela
– E eu, nem me fale! Vamos ver os queijos que tem por aqui. - eles foram para o setor de pães, vinhos e queijos. E de repente pareciam dois passarinhos quando inclinaram junto a cabeça e disseram em uníssono olhando pro queijo de ovelha italiano:
– Pecorino! - e se olharam rindo mutuamente deixando o padeiro sem entender.
– Eu amo esse queijo! Meu avô às vezes viajava e trazia. Ele morava em Serre di Rapolano, Siena e sempre subia a Pienza pra comprar, porque os de lá são os melhores.
– Ai, que saudade. A Toscana é linda, e aquele por do sol... hummm. Pienza é um ovo, mas oh lugar lindo.
– Vamos matar a saudade no queijo? 
– Vamos!
– Moço, dois pedaços por favor.
– Eles decidiram não ousar muito no cardápio porque podia não cair no gosto geral e decidiram pela lasagna. Ele não quis comprar a massa pronta. Comprou a farinha pra fazer a massa, agora Mel entendia ele querer comprar tudo cedo, um processo mais demorado seria necessário. Quando chegaram no apartamento ele decidiu que faria a massa em casa e montaria na casa dela. Porque essa parte era mais fácil, rápida e com pouca sujeira.
– Obrigada pela companhia querida Mel. Mais tarde, o chef Caio Cruz estará aqui para satisfazer seus desejos culinários.
– Hummm, que galante!
– Nada! Fique comigo e jamais sentirá fome outra vez! (parafraseou Iscar no Rei Leão)
– Você, definitivamente, não existe. Vai logo!
Cozinhar era sua especialidade, ele chegara num tempo bom pra fazer tudo. Mel se encarregou da salada. Ele levou roupa pra trocar caso se sujasse e enquanto a lasanha estava no forno foi para o banheiro se trocar. Neste intervalo a campainha tocou era Bia amiga de Mel que pareceu sem cor quando o viu sair do banheiro.
– Mel, minha filha o que está acontecendo aqui? - perguntou ela sem tirar os olhos de Caio.
– Um jantar entre amigos. - ela notou que os olhos de Bia se arregalaram mais e completou: 
– Tem mais gente, tem uma amiga nova, você e Rodrigo.
– Rodrigo tá aqui? - falou ela quase num grito esganiçado.
– Não, ainda não chegou. Então Caio, essa é Bianca trabalha comigo. Bia este é Caio meu vizinho.
– Muito prazer. Sabe se tem algum apartamento vago nesse condomínio?
– Acho que não, mas fala com seu João. - falou ele rindo.
– Seu quem? - perguntou ela ainda distraída com os olhos verdes dele.
– Bia, o que você acha de ir comigo ao mercado comprar mais shoyo pra salada? 
– To bem aqui, eu, hã, - pigarreou voltando os olhos pra Mel. - Vim te chamar pra sair, acho que não tem motivo de brigarmos mais. Pelo contrário, acho realmente muito favorável continuarmos sendo amigas. Contanto que me convide pra ficar hoje aceitando meu pedido de paz.
– Claro! Afinal, hoje é o dia mundial da paz, né Caio! - falou Mel piscando pra ele.
– Palavra de escoteiro. - falou ele fazendo reverência, lembrando da promessa de paz que fizera com Dora.
– Então, você fica ou vem?
– Eu fico. Pode ir.
– Ok, o resto do pessoal já deve estar chegando.
– Realmente ele não precisou sofrer muito mais que 10 minutos de incessantes perguntas que sempre respondia com piadas e mudando de assunto, encostado tranquilamente no balcão de olho no tempo para tirar a lasanha. Quando a campainha tocou novamente ele falou que ia dar uma olhada na lasanha que estava quase na hora e ela foi pra porta na ansiedade pra ver o Rodrigo e ele pode respirar aliviado sorrindo internamente. Quando sentiu uma outra presença no ambiente que de uma certa forma sem mesmo ver, sabia pela densidade do clima e pelo perfume era Dora. Queria mesmo ter alguns segundos de paz e conversar com ela, como o Caio, o sensato e prometera se comportar e foi o que fez. E suas intenções só se reforçaram ao vê-la e ele reparou em cada detalhe, cabelos soltos, maquiagem leve na pele delicada, os cílios ainda mais longos nos olhos amendoados que o enxergavam com dúvida e alguma hesitação, podia ver admiração ali? “Ehhh eu já sabia.” Preferiu guardar todos os comentários pra si. Era uma noite entre amigos, ele faria apenas o que fazia de melhor nessas horas observar.
Dora teve que sair cedo e a conversa ainda estava animada. Ele apesar de achar Bianca divertida e muito bonita, não lhe fazia dar voltas no pensamento e nem lhe inspirava melodias. De fato ela lhe lembrava alguém que jamais esqueceria. Luíza, seu primeiro amor na infância, porém Bianca só a lembrava fisicamente. Luíza era uma mulher bem mais velha, tinha seus 29 anos agora. Foi por mero acidente que acabou mencionando quando falavam de jazz.
– Compus uma nova roupagem pra Luiza de Tom Jobim. Minha antiga professora de piano me inspirou, ela se chamava Luiza.
– Caio, já lhe disse que precisamos fazer um show juntos. Seu Rafael me disse que você é um monstro no piano. - falou Rodrigo.
– Exagero dele que é um excelente percurssionista. De arrepiar!
O papo foi fluindo e Caio sentiu que era a hora de ir, as meninas estavam cansadas e Rodrigo acabou se encarregando de levar Bianca pra casa em sua moto. O que a deixou eufórica e Mel ligeiramente preocupada, um pouco com a saúde mental da amiga e física também. Quando saia do apartamento encontrou Cláudio e sua esposa chegando, era tarde e significava que Dora ainda estava no prédio e iria embora aquela hora da noite.
– Boa noite, Caio! O que está fazendo por aqui? - perguntou Cláudio.
– Boas amizades e boa comida. Um jantar entre amigos.
– Ai, nem me fala Carol ficou pra sempre elogiando sua comida. Que bom que fez novos amigos além da nossa babá. Naquele dia acabei pegando um pouco pesado com ela, mas se soubesse que estava com você... - falou a mulher.
– Ela é boa moça, muito responsável e cuidadosa!
– Eu sei, nós é que não somos! Olha a hora e a menina ainda aqui. Vamos Cláudio, Tchau Caio.
– Tchau!
Ele teve a brilhante idéia de aguardar alguns minutos do lado de fora e a surpreendeu quando saiu. O que não lhe preparara para a espoleta menina fazer confissões de uma noite de meninas na frente dele. Porém, guardou pra si por enquanto a questão, era tarde e ele a acompanharia até o ponto de táxi. “Pão, sei.” sorriu ele internamente deixando-a já furiosa por ele estar simplesmente pensando seja lá o que for.
Ela se encaminhou ao elevador tão furiosa com ele como sempre, o sorriso debochado dele não ajudava a amenizar nada. Pôs os óculos como uma auto defesa, ele entendia muito bem de sinais. Elogiá-la também não funcionava muito bem, ela não se considerava nem metade do que era. “Mulheres!” Ele conseguiu contornar a situação num acordo de paz, porém por poucos segundos, a vontade de tirá-la do sério era maior e acabou deixando-a mais irritada no ponto de táxi e marchava pra qualquer rumo bem longe dele, ele a alcançou em dois passos a fazendo olhar pra ele.
– Dora! Vem cá! - falou ele a puxando pelo cotovelo.
– Me solta.
– Vou soltar, mas você não vai dar nem mais um passo pra longe de mim. Mantivemos a paz a noite toda e honestamente embora eu ame implicar com você. Eu quero um pouco mais dessa relação.
– Que relação garoto! - se apavorou ela, tremendo um pouco ao olhar para aquele verde vivo nos olhos dele.
– Quero saber mais sobre você, mais do que eu sei. E quero que me conheça também. A vida é muito curta pra perdermos tempo com tensões e dramas. Todos temos os nossos, Mel, Rodrigo, eu, Bianca, mas dá pra levar as coisas menos a sério e viver. 
– Do que você está falando? - perguntou ela cedendo aquela voz que parecia veludo e carinho, embora firme.
– Estou te dizendo que você precisa se ver como eu te vejo. Toda essa sua audácia, força que impõe quando briga comigo e não impõe nos outros. Vi você se anular hoje a noite e não entendi. Foi por medo, vergonha, timidez, insegurança? Se você quiser aprender a viver eu te ensino. - falou ele tirando uma mecha do cabelo dela da bochecha e colocando atrás da orelha. - Você quer?
– Ohhh meu táxi chegou. Conversamos mais outro dia, pode ser?
Ele sorriu mostrando uma covinha linda na bochecha esquerda que o tornava levemente irresistível. Ele se apoiou nos calcanhares tirando a mão dela e colocando no bolso.
– Pode! - ele a ajudou a entrar no táxi e antes de bater a porta completou. - Apenas bons amigos, isso nem vai doer. Bons sonhos, narizinho.
E pela primeira vez Dora ouviu seu apelido num tom tão carinhoso, quanto protetor e afetivo. Ele gostava dela e a admirava de um modo que ela jamais pensou. 

…...

No dia seguinte tinha marcado de correr com Rodrigo, que queria fazer um esporte e odiava academia. Correram a ciclovia toda por uns bons minutos e pararam no quiosque pra conversar. O assunto rendeu entre piadas e música, até chegar no ponto mulheres.
– Elas são desse jeito, né? Morrem de chorar por tudo, depois querem te matar por fazer uma piada. Carregam o mundo nas costas e embora precisem de ajuda se recusam a receber.
– Tem umas que não merecem.
– Eu sei. - sorriu meio torto abrindo aquela covinha. - Tive uma boa dose de encrenca com quem não merecia.
– A tal Luiza.
– A própria, mas não me atormenta. Somos jovens, Rodrigo, cheios de sonhos e projetos, com o poder de mudar o mundo se quisermos ou talvez só o nosso pequeno mundo. Eu vim pra cá pra tentar mudar meu mundo e pode não ser fácil, mas não tem que ser tão difícil. 
– Você não sabe o que me aconteceu e porque eu não vivo sempre tão alegre ou implicante como você. Eu perdi laços muito fortes e você escolheu ficar longe deles.
– Escolhi, né? Hum… Sabe o que é estar tão distante de alguém que esta a distância de um abraço? Conhece o paradoxo de aprender sobre o amor com quem nunca soube demonstrar? As pessoas que mais te ferem só conseguem isso por estarem próximas demais. Eu quero conquistar o respeito e o amor do meu pai. Talvez a distância ajude, talvez seja utopia minha e não se muda um velho homem acostumado a velhos hábitos, mas eu vou tentar.
– Eu não sabia. Vejo você fazendo amizade o tempo todo com todo mundo, sempre sorrindo.
– Eu amo as pessoas Rodrigo, pessoas me mostram pequenas coisas que quero aprender e lacunas pra eu ensinar. Veja a Dora, eu sei, adoro implicar com ela, mas é que ela me inspira, sabe? Ela é tão audaciosa e perspicaz, inteligente e cheia de fogo nos olhos, ela pode qualquer coisa é só escolher, tem uma grandeza dentro de si que ainda não conseguiu descobrir. Talvez brigar comigo a force a ver o quanto ela é forte, batalhadora e guerreira. Um dia ela verá o que eu vejo.
– Entendi bem, você está apaixonado por Dora?
– Claro que não! Que idéia! Sou muito novo pra estabelecer laços profundos com alguém. Sou da roça, esqueceu? Os homens da minha família, adoram plantar uma sementinha cedo demais, meus irmãos tiveram filhos com 16 anos. Eu só quero fincar estacas e construir família quando eu puder fazer isso.
– Eu só perguntei se você estava apaixonado, totalmente normal pra sua idade.
– E eu já respondi que não. Tenho um sangue quente complicado demais e prefiro dar passos lentos nessa direção. Prefiro ser amigo das mulheres já que não consigo mesmo ficar longe delas. - riu o sem-vergonha.
– Não vai iludir a menina, ela é uma boa moça.
– Ótima, e eu sou um bom rapaz também, sei que é difícil de acreditar, mas eu sou. Graças a Deus eu parei com a sem-vergonhice sem engravidar ninguém. Foi uma época de muita oração pra minha mãe.
– Você não existe.
Uma mulher terrivelmente bela, altiva, cabelos loiros cortado em camadas, olhos de um azul profundo se aproximou deles. Caio estava distraído terminando de falar com o vendedor e se virou ao ouvir seu nome numa voz remotamente conhecida.
- Caio?
Ele respirou fundo e pronunciou como se anunciasse:
- Luiza.

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